Os desafios do novo governo já seriam assustadores, se fossem só aqueles indicados pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em palestra na Fundação Getúlio Vargas. Mas são bem mais complicados. O ministro apontou as tarefas mais óbvias, como a reforma tributária, o fortalecimento das contas externas, o aumento do crédito, a redução do custo dos empréstimos e, é claro, a execução do PAC 2, com investimentos de R$ 955 bilhões pautados para os próximos quatro anos. Apresentou essa lista como se o atual governo houvesse cumprido amplamente sua tarefa e pudesse, em breve, passar adiante o bastão sem uma porção de trabalhos incompletos e em boa parte mal começados.
A própria referência ao PAC 2 é enganadora. Do primeiro PAC, só uma parcela foi completada. Das obras de saneamento, por exemplo, apenas 12% foram concluídos até abril deste ano, de acordo com relatórios divulgados em junho pelo comitê gestor. No caso dos aeroportos o desempenho foi melhor, mas muito longe de satisfatório: 20% das obras foram terminadas. No PAC das estatais, cerca de 90% dos investimentos têm sido realizados apenas pelo Grupo Petrobrás. O resto avança muito devagar – quando avança.
De modo geral, esse quadro se reproduz no balanço de investimentos em infraestrutura apresentado por Mantega. Segundo o relatório, esses gastos mais que dobraram entre 2003 e o ano passado, passando de R$ 58,2 bilhões para R$ 121,9 bilhões, a preços de 2009. Mas o setor de petróleo e gás absorveu 42,5% do total investido no período. O Grupo Petrobrás foi sempre um grande investidor nos últimos 20 anos, operando na maior parte do tempo com um planejamento próprio e constantemente revisto. Os projetos no setor de transportes, muito mais dependentes da ação do governo, representaram apenas 15,8% do total acumulado entre 2003 e 2009. Poderiam ter sido maiores, se o governo houvesse atraído o setor privado. No saneamento, a situação pouco mudou. A enorme deficiência dos serviços foi mostrada, há poucos dias, pelo IBGE.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva entregará ao sucessor, ou sucessora, um governo com baixíssima capacidade gerencial. Essa deficiência explica boa parte do fracasso dos programas de investimento. No caso dos projetos dependentes do Tesouro, dificilmente o desembolso alcança 50% da verba autorizada para o ano.
A incapacidade de investir não impede, no entanto, o aumento constante da despesa pública, principalmente do custeio menos produtivo. A consequência é um orçamento cada vez mais engessado. O governo havia programado eliminar até 2012 o déficit nominal das contas públicas. Há poucas semanas alongou o prazo para 2014. Mas todo o planejamento fiscal tem dependido essencialmente da elevação da receita, porque não há esforço de racionalização de gastos e de corte de desperdícios.
Para executar a reforma tributária e reduzir a carga fiscal sobre investimentos, exportações e financiamentos – itens fundamentais das tarefas listadas por Mantega -, o novo governo terá de melhorar sensivelmente o padrão gerencial do setor público. Além disso, terá de enfrentar uma difícil negociação com os governadores, porque uma parte importante da reforma envolverá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O presidente Lula e seus principais auxiliares nunca se dispuseram a esse trabalho. Preferiram construir sobre a base institucional estabelecida na administração anterior. Realizaram avanços importantes em algumas áreas, especialmente na incorporação de massas ao mercado consumidor. Mas nada prepararam para a etapa seguinte.
Sem essa preparação, as tarefas apontadas por Mantega serão mais difíceis. Se o novo governo quiser baixar a meta de inflação, precisará conter o gasto público e a dívida bruta – mas terá de vencer a rigidez orçamentária. Isso permitirá juros menores. Sem esse esforço, juros mais baixos dificilmente serão mantidos e o real provavelmente continuará sobrevalorizado – exceto se a situação do balanço de pagamentos piorar. Mas impedir essa piora também é parte da agenda. A competitividade, no entanto, não poderá depender só do câmbio. Tributação, crédito, infraestrutura, educação, tecnologia e eficiência institucional são mais importantes. O legado, em todas essas áreas, é muito ruim.
O quadro envolve outras dificuldades. Uma delas é a execução das despesas necessárias à Copa do Mundo. Dos R$ 17,4 bilhões de investimentos previstos até agora, R$ 11,6 bilhões serão financiados pela Caixa Federal e pelo BNDES. Mas qual será o custo fiscal? Isso ninguém sabe, certamente não será pequeno e será mais um entrave ao próximo governo.
Fonte: Jornal “O Estado de S.Paulo” – 01/09/10
No Comment! Be the first one.