A luz no final do túnel está cintilando, o País vai crescer no ano que vem. A questão é quanto. Há mais de uma maneira de sair de uma recessão. A intensidade na superação de crises depende da exatidão do diagnóstico e da combinação das medidas adotadas.
Na maioria das vezes, a recuperação é demorada. É o que a quase totalidade dos analistas projeta para o Brasil, um crescimento da ordem de 2% ao ano a partir de 2017. Não é ruim, mas pode ser bem melhor.
A experiência histórica mostra que uma retomada também pode ser rápida e vigorosa. O que aconteceu com Getúlio Vargas ilustra o ponto. Após a economia cair por dois anos seguidos, o Brasil cresceu 4,6% em 1932 e mais de 8,0% nos dois anos seguintes. Três décadas depois, o “milagre brasileiro” também serve de exemplo. No exterior, um caso recente é o da Islândia, que superou a crise do euro em pouco tempo.
Nas três situações, a receita de sucesso foi uma arquitetura econômica adequada ao tempo e ao lugar. O ponto deste artigo é que a retomada aqui, no Brasil, também pode ser rápida e intensa.
O debate sobre a crise brasileira está desfocado. A política econômica está concentrada nas dívidas do governo nos três níveis, mas se observa um descaso absoluto para com o setor privado, que é quem, em última instância, paga a conta e faz o Brasil crescer.
Nesse sentido, é importante entender que, embora o desequilíbrio fiscal seja importante e deva ser enfrentado, o principal componente da crise é a dinâmica do crédito privado, não do público. Note-se que o Estado brasileiro está solvente, pagando suas contas em dia e o risco país está em queda, não em alta. Por outro lado, o setor privado está sufocado por um aperto de liquidez e condições de crédito insuportáveis.
As atenções estão voltadas para as decisões da taxa Selic, mas não é ela que impulsiona o crescimento, e sim o custo do dinheiro para o empresário, para ter capital de giro e recursos para operar e investir. Atualmente, ele paga mais de 300% ao ano para o cheque especial. O total de juros pagos pelo setor não financeiro supera 10% do Produto Interno Bruto (PIB). É insuportável para o setor produtivo.
Com a retirada de recursos do sistema pela intermediação, as empresas têm de diminuir estoques, cortar custos e destinar volumes crescentes de recursos para rolar dívidas. Algumas não conseguem e fecham, outras fazem ajustes no emprego – já são 11,6 milhões de desempregados.
A economia está num redemoinho perverso de juros cada vez mais altos, uma oferta de financiamentos encolhendo e inadimplência subindo. A causa disso é a combinação de uma política bancária anacrônica e modelos de negócios obsoletos.
A evidência é contundente em apontar a responsabilidade da dinâmica do crédito pelas dificuldades da economia do País. Foram as falhas na intermediação financeira que provocaram a desaceleração da economia e a queda na arrecadação, e não o contrário.
Em 2010, enquanto a economia brasileira cresceu 7,5%, o custo do dinheiro para os bancos subiu 1,6%, mas para o tomador da conta garantida (a linha que mais cresceu) aumentou 17,9%, mais de dez vezes!
Juros mais altos deterioraram a qualidade de crédito. Naquele ano, o indicador Serasa de inadimplência para pessoa jurídica subiu 2,3% e para pessoa física aumentou 20,9%. Continuaram e continuam a subir. Atualmente, mais de 4 milhões de empresas e 59 milhões de pessoas têm anotações de inadimplência.
Em 2010, começou a espiral, a elevação da inadimplência encarecendo as margens, encurtando prazos e reduzindo volumes, agravando problemas de caixa e de custos de empresas e de pessoas. De lá para cá, a situação piorou muito. Não é por causa da crise, mas é a causa da crise.
Urgência
O que está acontecendo é bizantino. Apesar de a relação crédito/PIB do País estar na metade do potencial, está encolhendo. Os números divulgados pelo Banco Central são peremptórios: as receitas de juros dos bancos aumentando sobre um saldo menor e a inadimplência subindo ainda mais, encolhendo seus lucros. Ilustrando bem o esgotamento do processo. Urge atuar.
A solução não é injetar mais recursos – foi tentado em 2012, mas o efeito é passageiro. Não se coloca dinheiro bom atrás de dinheiro ruim, é um princípio bancário secular. Também não é melhorar as garantias para operações, como permitir o uso do FGTS para operações de consignado – o efeito é fraco. É mais um remendo.
O correto é corrigir a causa dos problemas e adequar a política bancária e o modelo de negócios dos bancos aos novos tempos.
A prescrição é fazer um ajuste combinando e adaptando para o Brasil o que os Estados Unidos e a Islândia fizeram, a adoção de um modelo de financiamento responsável. É copiar o que os países com sistemas de crédito estáveis, inclusivos e eficientes fazem. E fazer uma transição rápida de um paradigma de intermediação para outro.
Consiste num conjunto de medidas em tributação, reestruturação de dívidas, transparência, liquidez, responsabilização, cadastro, funding, padronização, indexação, regras de precificação e remoção do entulho inflacionário. Todas dependem apenas do Poder Executivo, sem necessidade de aprovação do Congresso Nacional. Podem ser implantadas rapidamente e farão uma grande diferença em pouco tempo.
Com isso, o redemoinho perverso se tornará um círculo virtuoso e o crédito deixará de ser a causa principal dos problemas e se tornará a solução potente. Dever bem é bom, mas de forma equivocada é desastroso, como está mostrando a realidade.
A necessidade de uma agenda ousada e corajosa é imperante. Além dos ajustes no crédito, que podem dar um forte impulso à economia no curto prazo, as reformas previdenciária, trabalhista, cambial, empresarial, tributária e do Judiciário vão dar potência para um crescimento vigoroso no futuro.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 29/08/2016.
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