O presidente Lula tem a chance de se tornar uma espécie de atleta olímpico da política neste início de século. Depende de ele anunciar, até o fim de seu mandato, um conjunto de políticas de democratização da propriedade no Brasil. Propriedade efetiva, em todos os sentidos. O mais comum é o da propriedade imobiliária, urbana ou rural. Um segundo sentido é o da propriedade mobiliária, de o cidadão poder possuir fatias de empresas, como acionista, por meio do mercado de capitais.
Um terceiro sentido, talvez o mais importante significado da propriedade, é o da posse e domínio do conhecimento, que hoje envolve, primariamente, o acesso à web-educação (termo cunhado pelo mestre Peter Drucker). E, finalmente, o acesso à propriedade ambiental. Sim, porque, coletiva e privadamente, possuímos o ambiente em nosso entorno e dele dispomos. Se ele se degrada, nós ficamos mais pobres.
O Instituto Atlântico (IA), entidade dedicada a propor e testar políticas públicas capazes de deflagrar e acelerar crescimento sustentável, inclui as quatro portas de acesso à propriedade como marca registrada de sua atuação desde 1992. E Lula está hoje, depois da escolha do Brasil e do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016, em posição de coroar seus oito anos de mandato enviando ao Congresso um Plano Plurianual que consigne, de 2010 até o bicentenário da Independência, em 2022, uma revolução no acesso à propriedade.
Por esse modelo, os brasileiros teriam acesso realmente universal à propriedade, consolidando o tal “reconhecimento internacional de cidadania”, como Lula interpreta a escolha do Brasil para os Jogos. O exemplo perene que o país pode dar não é só no desempenho esportivo. O principal é mostrar ao mundo como uma sociedade emergente, liberal e democrática se organiza. E nada mais é tão importante quanto as formas de acesso à propriedade, pois a largura dessas portas (mais do que a fluida noção de que “o Brasil é de todos”) mostra, realmente, a amplitude do direito de cada cidadão. O Brasil precisa ser, além de “de todos”, também “de cada um”. O “modelo de Quatro Portas”, como o chamamos, propiciaria essa transformação social no prazo de 12 anos, dando ao próprio Lula um lugar na história da cidadania do país.
O direito à propriedade deve incluir o mercado de ações, o conhecimento e a preservação ambiental
O IA vem testando um modelo de acesso à propriedade imobiliária na Favela do Cantagalo, no Rio. Esse modelo pode ser massificado. Foi testado sob liderança da própria comunidade que o adotou, nisso se distinguindo muito de experiências de titulação em que o cidadão é apenas “objeto” de uma ação de regularização fundiária pelo poder público. Embora positiva, a “doação” é sempre conjugada na voz passiva, não fortalecendo o povo na conquista do direito.
Esse fortalecimento ocorre com o usucapião especial coletivo, objeto da ação judicial deflagrada pela comunidade do Cantagalo. A iniciativa foi recebida de modo construtivo pelo governo fluminense, que, uma vez provocado, em poucas semanas fez aprovar, pela Assembleia Legislativa, um projeto de lei complementar, dando ao Estado poderes de passar títulos definitivos de propriedade. Imaginem o impacto sobre a renda permanente dos indivíduos dessa valorização propiciada pela titulação definitiva! Esse impacto financeiro e social já fora antevisto pelo economista peruano Hernando de Soto, quando conduziu em Lima, nos anos 80, casos práticos de titulação de habitações, regularização de empresas informais e assim por diante. A saga de De Soto está narrada em dois livros seus: O outro sendeiro e O mistério do capital. No Brasil, essas experiências, além de raras, estão cercadas por obstáculos legais, burocráticos, cartoriais e até ideológicos (ou “preconceituológicos”) nada desprezíveis. Por isso, o IA conta com um time de jovens advogados, atuando pro bono, que tem encontrado soluções brilhantes nessa batalha pela redenção social. Oportunamente, falarei das outras três portas de acesso à propriedade.
Fonte: Revista Época, publicado em 19 de Outubro 2009.
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