Muito se comenta que o ano só costuma engrenar de fato a partir do Carnaval. Sendo assim, temos um ínterim em que nada acontece, do réveillon até as festas do Momo. Janeiro costuma ser um mês de paralisia, de férias para muitos nos poderes, em recesso, e poucas novidades costumam ocorrer.
Neste ano, no entanto, este início foi bem intenso. Tivemos em Porto Alegre o julgamento do TRF-4 que, de forma unânime (3 a 0), confirmou a sentença contra o ex-presidente Lula no episódio do Tríplex em Guarujá. Embora alguns tenham tentando “esvaziar” este processo, pelo argumento da “falta de provas”, as análises dos três desembargadores foram tão contundentes que à defesa só restou apelar politicamente, numa linha totalmente desprovida de argumentos técnicos. Outros fatos também foram destaques, como a sucessão de bons indicadores econômicos, o que impulsionou a bolsa de valores doméstica a 86 mil pontos, com valorização de 11,1% em janeiro.
No exterior, de novidade tivemos nos EUA a mudança na presidência do Fed, saindo Janet Yellen e entrando Jerome Powell. Isso acionou alguns sinais de alerta no mercado, pois veio junto com indicadores mostrando uma economia norte-americana mais aquecida, pressionando a inflação, com o CPI a 2,1% pela taxa anualizada em janeiro. Muitos viram nisso a possibilidade de uma aceleração no ciclo de aperto monetário em 2018, agora com quatro ajustes da Fed Funds e não três como antes cogitado.
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Bom, diante destes fatos, fica complicado dizer que o ano só começa agora, depois do Carnaval. Longe disso. Tivemos um início já bem intenso.
O que começa a aquecer de fato é a corrida eleitoral, com o “arsenal” de candidatos se configurando, agora sem Lula, mas com vários outros testando suas possibilidades nas pesquisas. Huck ensaiou entrar na disputa, depois se arrependeu e anunciou sua desistência, Henrique Meirelles pode ser uma opção, assim como Rodrigo Maia pelo DEM e Joaquim Barbosa pelo PSB. Na verdade, continuamos no aguardo da definição de um candidato equilibrado, de centro, que seja de agrado do mercado e do chamada “sociedade organizada”.
Sendo assim, porque não pensar também numa agenda econômica que seja bem aceita pela maioria da sociedade? Esta, aliás, parece ser o grande desafio do momento. Encontrar o bom senso, o diálogo entre as partes. Como bem disse o economista do BNDES, Fábio Giambiagi, por estes dias, vivemos aqui no Brasil o que os argentinos chamam de “la grita”, uma “divisão” que separa a sociedade no “nós contra eles”. O debate se encontra “extremamente polarizado” também na economia. De um lado, os mais ortodoxos, que acham que sem ajuste fiscal não há crescimento, contra os heterodoxos, achando que basta a economia voltar a crescer, para a arrecadação federal retomar e cobrir os possíveis rombos fiscais.
A conciliação, portanto, precisa passar por uma política econômica consensual. Giambiagi enxerga, com muita esperança, a opção pelo diálogo e a racionalidade. É necessário encontrarmos a “estabilização política”, um “meio do caminho”, já que esta disputa ferrenha pelo poder só atrasa o País, produzindo um enorme estrago na economia.
Devemos destacar, também, que a agenda a ser tratada precisa ser apenas econômica. Não dá para ampliar muito o leque, falando de segurança, saúde, educação, por exemplo, até porque não dá para abraçar o mundo. Cada tema merece um capítulo à parte. Coloquemos na mesa então os temas econômicos. Tentaremos abordar aqui alguns dos principais, que achamos não poderem faltar no programa de governo de qualquer candidato. São todas medidas urgentes, não passíveis de novos adiamentos ou engavetamentos. Vejamos.
Agenda de reformas. Reformas da Previdência e Tributária. Estas reformas parecem ter empacado de vez, depois do anúncio da intervenção do governo federal no Estado do RJ. Isso porque impede alterações na Constituição, o que deve afetar os seu trâmites. Diz no artigo 60, parágrafo único, ”que a Constituição não poderá ser emendada na vigência da intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. É notória a situação calamitosa do regime previdenciário, tendo fechado em 2017 com déficit de R$ 268,8 bilhões, crescendo 18,5% contra o registrado em 2016 (R$ 226,8 bilhões). Se nada for feito este déficit deve continuar crescente, o que obrigará o governo e buscar uma contribuição maior sobre os beneficiários, não sem antes perder sua nota de crédito, rebaixada ainda mais. No debate sobre a reforma tributária, esta deve ficar para o próximo presidente, mas já defendemos de antemão a simplificação da malha, com a criação do IVA, em substituição de vários impostos que, inclusive, incidem sobre a cadeia produtiva, gerando efeitos cumulativos. Haveria também a definição da unificação do ICMS nos estados da Federação, acabando então com a tal “guerra fiscal”. Cabe salientar que estas reformas são as mais urgentes, não deixando de comentar sobre uma reforma política mais incisiva, assim como uma reforma do Estado.
Abertura comercial. Muitos consideram o Brasil “um país fechado e hostil ao comércio exterior”. Nossa participação nas exportações mundiais oscila em torno de 1%, sendo ridícula em termos comparativos. O desafio, portanto, é nos tornarmos mais competitivos, aumentando nossa produtividade, muito baixa a nível global. Falaremos mais sobre isso na semana que vem, mas nossa “eficiência produtiva” é tão baixa que acabamos em 50º lugar num universo de 68 países, segundo um estudo recente da FGV. Isso nos coloca de fora das principais cadeias produtivas globais. Acordos de comércio bilaterais devem ser reforçados e maior aproximação do MERCOSUL com a União Europeia e o Nafta se torna algo inadiável. O MERCOSUL precisa se tornar uma área de livre comércio e não mais uma União Aduaneira. Na primeira, temos a livre mobilidade de fatores de produção e a busca da maior convergência macro, até para se buscar no futuro uma união monetária.
Independência do BACEN. O BACEN já é independente informalmente, mas seria de bom grado tornar isso algo legalizado. Ninguém mexe com o presidente do BACEN, mas isso acaba variando de governante para governante. As teses estapafúrdias do governo Dilma, em muito, colocaram a gestão de Alexandre Tombini num “córner”. Objetivo aqui é acabar com isso e também definir os mandatos do presidente e dos diretores da instituição.
Autonomia maior das agências. Para termos um capitalismo saudável, em que o mercado tenha um papel importante na mais eficiente alocação de recursos, essencial é a presença das agências de regulação, independentes e livres de influência política, de esquemas de poder.
Reforma do Estado com mais concessões e privatizações. Será essencial um repensar sobre a máquina pública, com muitas estatais não fazendo sentido existirem. Muitas subsidiárias, muitos serviços, ou concessões, precisam passar para as mãos do setor privado. Temos uma infraestrutura arcaica a ultrapassada, que nos seus investimentos não passam de 1,4% do PIB. Precisamos, portanto, que o Estado brasileiro, esgotado na sua capacidade de investir, se aproxime do setor privado, do mercado de capitais, dos bancos e das seguradoras.
Ainda faltariam diversos temas econômicos a serem incluídos na agenda, mas pelo espaço exíguo trataremos deles nas próximas semanas. O fato é que um “choque de capitalismo”, algo pensado por Mario Covas em 1999, precisa voltar aos debates. Não dá mais para adiar, nem empurrar os problemas para frente. Uma “refundação” do País se faz urgente.
Que as eleições de 2018 possam encontrar um candidato comprometido com esta agenda.