O poder é uma forma de dominar muitos, governar em favor de poucos e fazer da política um baile de máscaras para a distração popular. Enquanto o povo assiste ao espetáculo alegremente, a paz reina na República. O problema surge quando as pessoas cansam de ser insistentemente enganadas. Sim, a paciência é grande, mas um dia acaba. Aí, surgem as crises fiscais e seu conhecido enredo: os discursos inflamados, as promessas de austeridade, os milagrosos planos econômicos e as ocas reformas legislativas. Quantas vezes já vimos esse filme?
Pois é e, mesmo assim, os fatos se repetem. Aliás, há exatos 150 anos, a inteligência superior de Eça de Queiroz deu traços de verdade à mentira da política lá estabelecida, vindo a afirmar com as ácidas letras de sua pena invulgar: “As nossas finanças estão perdidas, a nossa instrução esquecida, o nosso Exército desorganizado, o nosso funcionalismo corrupto, as nossas leis dispersas, o nosso comércio enfraquecido, a nossa autoridade moral perdida. De quem é a culpa? Não é destes nem daqueles, é da fatalidade das decadências”.
O tempo passou e aquilo — que já decadente estava — decaiu ainda mais. Olhamos para a política atual e temos a firme convicção de que elegemos incompetentes, corruptos e inaptos à vida pública digna e responsável. A situação faz a ironia rir da aparente lógica da vida. Afinal, durante anos, lutamos para ter o direito de voto e, quando obtido, não temos mais candidatos decentes, preparados e capazes de honrar os altos deveres da representação popular. Falando nisso, haverá democracia autêntica quando o voto apenas elege ladrões, bandidos e canalhas?
Ora, é claro que não.
Sem cortinas, o que estamos vendo no Brasil é uma cleptocracia fantasiada de democracia. Sim, o ideal democrático foi falsificado em nosso país; nosso sistema eleitoral é uma farsa; não temos partidos verdadeiros e nos faltam políticos modelares. Temos, portanto, uma classe política abertamente antidemocrática, que usurpa a soberania popular para chegar ao poder e, ato contínuo, fatiar o governo entre peças de uma robusta engrenagem delitiva, fazendo da corrupção a corrente sanguínea de um sistema feito para saquear as riquezas de nosso país.
Com o desenvolvimento assistemático dos mercados, o macrocapitalismo globalizado acabou por penetrar nas estruturas internas do poder e, mediante negócios espúrios, veio a comprometer a necessária paridade de armas, lisura e a livre concorrência entre os agentes econômicos. A aliança defectiva entre a política e o alto capital criou aquilo que o pensamento crítico de Sheldon Wolin chamou de inverted totalitarism — um sistema político-econômico intrinsecamente corrupto, feito para beneficiar os inquilinos do poder e seus influentes amigos de ocasião. Consequentemente, acabamos sem uma democracia autêntica em um capitalismo despido de preceitos éticos.
Em um campo aberto sem fronteiras morais firmes e determinadas, a subterrânea institucionalização de um mecanismo ilícito de propinas e subornos acaba por tornar democracia representativa uma grande mentira venal. Objetivamente, com congressistas consorciados a corruptores, o exercício da representação popular perde a necessária imparcialidade, independência e impessoalidade que fundam o espírito republicano superior. Os parlamentos, então, viram um bordel político, regados por dinheiro sujo em favor de prazeres inconfessáveis.
No cair das máscaras, os parlamentares corruptos não são políticos, mas meros jagunços do poder econômico hegemônico; por sua vez, os empresários corruptores, ao invés de capitalistas liberais, não passam de agiotas da ilicitude desbragada. Sim, enquanto as aparências enganam, a roleta do poder diverte muita gente. Todavia, quando as cortinas caem, o sol começa a nascer quadrado para alguns tidos e havidos por intocáveis. E isso é uma mudança substantiva em nosso país.
Por tudo, os impressionantes fatos desnudados pela Operação Lava-Jato estão disponíveis aos olhos de todos; só não vê quem não quer ou quem tem algum interesse a justificar uma cegueira bandida. Felizmente, contra uma política decadente, surge uma promissora, mas ainda tímida cidadania ascendente. Aqui, reside a nossa esperança. Enquanto houver a bravura de cidadãos de bem, a democracia seguirá sendo uma possibilidade pulsante. E o pulso há de ser nosso, pois eles apenas querem corromper o Brasil.
A democracia autêntica faz do cidadão um sujeito, e não um objeto da política. E só é um sujeito de verdade quem assume as intransferíveis responsabilidades de sua vida. A independência democrática, antes de um direito, é um sentimento vivo que não sabe calar para as injustiças e para os abusos de uma cleptocracia indecente. Essa luta não é, nunca foi e jamais será fácil. Mas é o triunfo sobre os incontornáveis enfrentamentos da vida que nos torna livres daquilo que nos oprime. Ou será recompensador viver como um subserviente fantoche do poder?
Fonte: “Estado de Minas”, 15 de abril de 2017.
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