Na tentativa desesperada de salvar seu mandato, a presidente da República está propondo lotear os cargos do segundo e do terceiro escalão do governo entre seus hipotéticos aliados. É aí que mora o perigo. As recentes nomeações de ministros, gente pouco familiarizada com suas novas atribuições, acendem o sinal amarelo sobre o que pode vira acontecer.
Na semana passada, a Polícia Federal prendeu diversas pessoas ligadas ao extinto Ministério da Pesca, em função da venda de licenças irregulares e outras ações ilegais em favor de pescadores e empresários do setor, vários deles, com certeza, achacados pelo esquema criminoso.
O segundo e o terceiro escalão do governo federal oferecem centenas de cargos que interessam aos partidos da base aliada, a maioria mais interessada em levar vantagem do que em resolver os problemas do Brasil. Acontece que existem cargos e cargos. Se uma boa parte, ainda que sendo imoral, pode ser loteada, outra não pode, sob o risco de causar estragos de monta em setores específicos e para a imagem nacional, já desmerecida pelas agências de rating e pelas ações do TCU, do Supremo Tribunal Federal, da Justiça Federal, do Ministério Público e da Polícia Federal, além do triste noticiário político e econômico diariamente expondo as mais variadas autoridades.
Ninguém em sã consciência imagina lotear o Banco Central. É um órgão técnico, que precisa manter o nível mais elevado possível para garantir o funcionamento harmonioso do sistema financeiro nacional. Colocar amigos do rei ou políticos, sem qualificação apropriada, numa de suas diretorias ou superintendências seria completamente insano, para não falar uma imensa tolice. O que, em países confiáveis, não seria feito em hipótese nenhuma, tanto que, até agora, o Brasil não se viu nesta situação.
[su_quote]Se pretendemos ter alguma chance de futuro, é hora de ter gente competente nos lugares chaves[/su_quote]
Se o setor financeiro não pode ser ameaçado por um desatino destes, a regra vale também para o setor de seguros. As seguradoras e as resseguradoras estão entre as maiores geradoras de poupança de longo prazo do mundo. Só no Brasil suas reservas atingem a significativa soma de mais de R$ 600 bilhões, o que é muito dinheiro, especialmente em época de crise,e obriga o setor a ser tratado de forma profissional, por gente competente, capaz de tomar decisões técnica senão simplesmente trocar favores, como os que foram feitos com as licenças de pesca e resultaram na prisão do Secretário Executivo I do antigo Ministério.
A Susep (Superintendência de Seguros Privados) é o Banco Central do setor de seguros. Cabe a ela normatizar e fiscalizar as operações das empresas que compõem as diferentes atividades sob sua responsabilidade.
Vale esclarecer que o setor de seguros é composto pelas seguradoras de seguros gerais, que garantem o patrimônio nacional, formado pela soma dos bens e capacidades de atuação do país; seguradoras de vida, que garantem as famílias de mais de cem milhões de segurados; as seguradoras de saúde, que substituem o SUS e dão atendimento médico-hospitalar digno para milhões de brasileiros; as empresas de previdência complementar aberta, que administram centenas de bilhões de reais de seus clientes, em programas de investimentos de longo prazo; e as empresas de capitalização, que pagam anualmente, entre prêmios e programas de poupança, vários bilhões de reais.
Pretender usar a Susep como moeda de troca e lotear seus cargos de chefia entre pessoas indicadas pelos partidos da base aliada (que não são ao menos confiáveis) seria colocar uma alcateia inteira para tomar conta do rebanho. Os riscos de desmandos de todas as ordens são imensos. Afinal, o volume de dinheiro movimentado pelo setor é mais do que significativo e as indicações políticas ao longo do tempo têm se demonstrado um verdadeiro desastre.
Não se pode permitir a repetição do escândalo do Mensalão, que começou no IRB Brasil Resseguros e nos Correios. Mais do que nunca, se pretendemos ter alguma chance de futuro, é hora de ter gente competente nos lugares chaves. A Susep é um deles.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 19/10/2015.
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