Ao promulgar a Lei Anticorrupção, o Brasil comprometeu-se a punir empresas, nacionais ou estrangeiras, envolvidas em casos de corrupção com órgãos da administração pública. Apesar de ser considerada “referência”, a Lei 12.846 só será efetiva caso seja, de fato, implementada, avalia o diretor da Transparência Internacional (TI), Pascal Fabie.
“Uma lei forte não implementada é como uma lei fraca”, defende o diretor da ONG, que promove a luta contra a corrupção.
Para Fabie, há uma “janela de oportunidade” no país para o combate a ilícitos nas relações público-privadas: “Se quiser crescer, o Brasil terá de se tornar um país limpo.”
A ONG, presente em mais de 120 países, montou uma equipe no país para definir parceiros e agenda de atuação. Confira a seguir trechos da entrevista:
O Estado de S. Paulo: Por que abrir operações agora no Brasil, algo mudou no país?
Pascal Fabie: Há uma janela de oportunidades aberta para todos, governo, comunidade de negócios e sociedade civil, para erradicar as fraquezas do sistema e prender corruptos. Com o crescimento do apetite anticorrupção, além da importância do Brasil na cena global, decidimos alocar mais tempo, recursos e expertise para o Brasil.
O Estado de S. Paulo: Quais os principais desafios a serem enfrentados no país?
Fabie: Entendemos que o problema a que o Brasil está exposto não é muito diferente do de outros países, só é mais enraizado. Temos que trabalhar com todos os setores para identificar desafios prioritários. Alguns deles estão relacionados ao financiamento de partidos e a eficácia do sistema judiciário.
O Estado de S. Paulo: Existe uma percepção no Brasil de que o país é mais corrupto do que outros, como o sr. avalia isso?
Fabie: É um bom começo você achar que é mais corrupto do que seu vizinho. O pior problema é negar corrupção. Eu não acho que o Brasil é mais ou menos corrupto. A corrupção é mais visível aos brasileiros porque vocês estão de ‘saco cheio’.
O Estado de S. Paulo: Por que ela é mais visível aqui?
Fabie: Escândalos estão explodindo na mídia. Ficou mais visível o tamanho astronômico do dinheiro desviado. Se você pensar o impacto dessa verba distribuída para a população, é incrível. Chegou ao ponto crítico, onde o tamanho e as implicações em negócios e instituições políticas ficou insustentável. Não se pode mais ignorar. É uma questão de justiça social. Mas combater corrupção nunca é o bastante. Ela é como um ‘iceberg’, tem sempre mais abaixo. No final de contas, esta é a metáfora, exponha a corrupção que ela vai derreter.
O Estado de S. Paulo: É possível vencer a corrupção em um país como o Brasil?
Fabie: Há exemplos de sucesso. A luta contra a corrupção não é uma utopia. É possível, plausível, e é o único caminho, não há opção. O caminho está trilhado. Se o Brasil quiser crescer, terá de se tornar um país limpo.
O Estado de S. Paulo: Qual é a percepção de fora sobre a corrupção no Brasil?
Fabie: A impressão é a de um país que está acordando. A pior coisa é o sentimento de complacência, de fatalidade. De fora, vemos que existe uma oportunidade. O Brasil decidiu mudar essa fatalidade da corrupção e isso é uma coisa boa.
O Estado de S. Paulo: Sobre a nossa Lei Anticorrupção, estamos no caminho certo?
Fabie: É uma referência. Mas essa é apenas a parte fácil. Uma lei forte não implementada é como uma lei fraca. A discussão certa é como implementar e é o que o Brasil deve fazer nos próximos 20 anos. Mostrar comprometimento, vontade política para pegar ‘peixes grandes’. E quem aceita o risco de combater tem de ter apoio, pois é um trabalho duro.
O Estado de S. Paulo: Qual a maneira mais efetiva para combater a corrupção?
Fabie: Precisamos de programas anticorrupção e que punições se tornem naturais, não exceções. Para isso, temos que trabalhar para mudar hábitos, promover uma mudança comportamental. Não se pode ganhar contratos porque pagou propinas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 7/7/2015
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