Certo ou errado, o corte de juros anunciado há duas semanas pelo Banco Central (BC) foi pelo menos apresentado numa embalagem com o desenho correto. O governo está empenhado em arrumar as contas públicas e isso abre espaço para uma redução da taxa Selic, segundo a explicação oferecida pelo Copom, o Comitê de Política Monetária. Em outras palavras: para bem administrar a moeda e o crédito, é melhor ficar de olho na política fiscal. A recíproca também vale: se o governo quiser juros mais baixos, será conveniente cuidar de sua contabilidade. Nos Estados Unidos e na Europa esses cuidados foram esquecidos. Isso explica boa parte dos mais graves problemas da economia global, neste momento.
O Federal Reserve (Fed, o banco central americano) manteve por muitos anos uma política de juros baixos, enquanto o Executivo se esbaldava em gastos crescentes e deixava expandir-se a dívida federal. Na zona do euro, as normas fiscais comuns foram amplamente violadas nos últimos anos. Isso decorreu em parte das políticas adotadas a partir de 2008, quando foi preciso socorrer os bancos e tomar medidas contra a recessão. Mas a disciplina fiscal nunca foi realmente completa e as políticas sociais adotadas pelas economias menos avançadas acabaram sendo insustentáveis. Isso tornou muito mais difícil, politicamente, executar programas de estabilização.
As autoridades monetárias podem ter cometido outros erros. Um dos mais graves, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, foi o desleixo na regulação dos mercados financeiros. Esse descuido facilitou a formação da grande bolha de crédito e criou condições para a quebradeira iniciada em 2007 e transformada em catástrofe um ano depois. Mas bastaria o desacerto entre política monetária e política fiscal para a geração de graves problemas, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.
Nesta terça-feira a chanceler alemã, Angela Merkel, expressou confiança no Banco Central Europeu (BCE). Sua missão é clara, disse ela: administrar a moeda. E a instituição, acrescentou, tem realizado essa tarefa com mais sucesso do que o Banco Central da Alemanha nos últimos dez anos do marco.
O BCE pode merecer esses e outros elogios. Sua administração tem sido mais ágil que a dos governos da zona do euro nos momentos de crise mais aguda. O banco tem comprado títulos públicos nos momentos de maior pressão. Já comprou papéis italianos e espanhóis, além, naturalmente, de bônus emitidos pelos governos já envolvidos em programas de estabilização.
Mas o BCE talvez tenha feito mais do que devia. Não basta um banco central para garantir a estabilidade econômica. Isso é verdadeiro tanto num Estado nacional quanto numa união monetária. Neste caso, a questão é mais grave e mais complicada. É evidente, na zona do euro, a carência de um mecanismo de coordenação fiscal. Já foi esboçado um sistema de gestão orçamentária conjunta, mas falta complementar politicamente essa decisão. Há pouco tempo surgiu a ideia de uma administração econômica – ou pelo menos fiscal – para os 17 países da zona do euro. A proposta foi lançada, mas a discussão não avançou, pelo menos publicamente.
A sugestão de lançamento do eurobônus, para enfrentamento conjunto da crise das dívidas soberanas, obviamente remete à ideia de um fundo fiscal comum. Mas o lançamento do eurobônus só será possível se a soberania fiscal for abandonada, disse nesta terça-feira o presidente do BC alemão, Jens Weidmann. O Fundo de Estabilidade Financeira Europeia é suficiente e apropriado para lidar com a crise, acrescentou Weidmann, também membro da diretoria do BCE. Mas falta à união monetária, admitiu, a estrutura institucional necessária para garantir responsabilidade e compromisso.
O discurso pode variar, mas o núcleo do problema é inconfundível. A união monetária só pode funcionar com segurança, a longo prazo, se houver uma coordenação fiscal sustentada por um mecanismo político mais forte que o atual. De alguma forma cada Estado terá de ceder um pouco mais de soberania.
Durante anos, governantes do Brasil e dos países vizinhos têm repetido a ladainha: a solução para o Mercosul é mais Mercosul. Pode até não ser. No atual estágio, há quem recomende um abandono da união aduaneira e um retorno à condição de área de livre comércio. Na zona do euro, a situação é diferente. A experiência foi muito longe e a solução para a união monetária deve ser uma união mais completa. Mas isso requer mais liderança e mais coragem do que têm mostrado os políticos das maiores economias do euro. Líderes mais fortes provavelmente já teriam articulado um calote grego – uma renegociação planejada, mais prática e mais barata que uma crise prolongada e de altíssimo potencial destrutivo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 15/08/2011
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