As escolhas de Paulo Guedes para compor a nova equipe econômica revelam sua estratégia de usar as privatizações como parte integral do plano de ajuste fiscal. De fato, quando se leva em consideração que somente no governo federal existem cerca de 150 empresas estatais, a aceleração das concessões e venda de ativos pode não somente dar importante contribuição para o ajuste fiscal, mas também aumentar a eficiência na prestação de serviços públicos.
No entanto, não resta dúvida de que o foco da estratégia de redução da dívida pública deve ser a reforma da previdência. Neste sentido, é preocupante que a proposta do novo governo ainda não tenha sido apresentada.
Certamente isso não se deve a uma carência de propostas. Além da PEC enviada ao Congresso pelo governo Temer, outras mudanças foram sugeridas por Fabio Giambiagi, Raul Velloso e Hélio Zylberstajn.
Giambiagi sugere mudanças paramétricas no regime de repartição, com criação de uma idade mínima no regime de aposentadoria por contribuição e uma transição mais rápida que a proposta pelo Governo Temer, diante do fato de que a não aprovação da reforma agravou ainda mais as contas previdenciárias.
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Velloso propôs, conforme já discutido neste espaço, a criação de um fundo de pensão para custear a aposentadoria dos funcionários públicos, tanto do governo federal como dos estados e municípios, conforme determina a Constituição. A ideia é calcular o déficit atuarial do regime dos servidores e cobrir o déficit por meio de elevação da contribuição previdenciária, eventualmente complementada com aporte de ativos.
Zylberstajn, por sua vez, recomenda a criação de um regime previdenciário baseado em três pilares. O primeiro consiste em uma renda universal, financiada com recursos do Tesouro. O segundo componente é um pilar de repartição, no qual as contribuições dos trabalhadores da ativa financiam parte dos benefícios previdenciários dos aposentados. O terceiro pilar é um sistema de capitalização, em que cada trabalhador contribui para sua própria aposentadoria.
Recentemente foi apresentada uma proposta de reforma da previdência coordenada por Paulo Tafner, com contribuições de vários especialistas no tema. Ela combina os principais elementos das propostas anteriores e vai além, ao criar um sistema de previdência para os militares.
Além disso, inova ao retirar da Constituição o tratamento de parâmetros previdenciários, que ficariam reservados a leis complementares. Essa é uma mudança importante, já que a constitucionalização do tema gera uma rigidez que é incompatível com o caráter dinâmico das mudanças demográficas.
Em relação à mudança paramétrica do regime de repartição, é criada uma idade mínima de 65 anos para todos: homens e mulheres, setor público e privado, trabalhadores urbanos e rurais, com transições entre 10 e 15 anos.
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É feita uma diferenciação entre homens e mulheres somente no caso das mulheres com filhos, sendo computado 1 ano adicional de contribuição para cada filho, até o limite de 3. O objetivo é levar em consideração o fato de que a maternidade pode reduzir o tempo de contribuição para a aposentadoria, sendo adequada uma compensação.
Ao contrário do sistema atual, que permite o acúmulo integral de pensões e aposentadorias, a proposta de Tafner condiciona o duplo recebimento de benefícios previdenciários ao nível de renda, como ocorre em outros países. A soma de 100% seria permitida somente para recebimentos até o piso previdenciário, caindo gradativamente até atingir 40% para valores acima de 8 pisos.
A reforma do regime dos servidores é bem mais abrangente que a de Temer, estabelecendo critérios para seu equilíbrio atuarial, não somente no nível federal, mas também nos governos subnacionais. Em particular, os entes devem implementar planos de equacionamento do déficit atuarial, ficando autorizada a elevação da alíquota básica de contribuição e o aporte de ativos nos regimes próprios. Estados e municípios também são obrigados a limitar os benefícios ao teto do regime geral, com criação de previdência complementar para os novos servidores.
A maior inovação é a criação de um sistema de previdência baseado em três pilares. O primeiro é um pilar de renda universal, acessível a todos os brasileiros de 65 anos, independentemente de contribuições ou nível de renda. O segundo pilar é um regime de repartição, decrescente no tempo.
O terceiro é um regime de capitalização. A transição de um regime de repartição para um sistema de capitalização envolve custos associados ao fato de que os trabalhadores da ativa deixam de financiar os aposentados e passam a contribuir para sua própria aposentadoria. Para minimizar esse custo, a reforma estabelece que o regime de capitalização será implantado somente para os nascidos em 2014, que ingressarão no mercado de trabalho a partir de 2030.
As estimativas apresentadas indicam que essa reforma reduziria a despesa previdenciária em cerca de R$ 1,3 trilhões em um período de 10 anos, o que corresponde a quase R$ 500 bilhões acima da economia propiciada pela proposta de Temer. Esses cálculos consideram somente o regime geral (RGPS), o que indica que seu impacto total, incluindo o regime do setor público (RPPS), seria ainda maior.
Em resumo, não faltam propostas abrangentes e detalhadas de reforma da previdência, com impacto fiscal muito expressivo. O que está faltando é uma definição de qual será a reforma proposta pelo governo Bolsonaro ao Congresso e qual a estratégia para sua aprovação. Não há tempo a perder.
Fonte: “Blog do IBRE”, 05/12/2018