A demissão do ministro do Esporte, Orlando Silva, poderá ser um passo para a presidente Dilma Rousseff cumprir a mais audaciosa promessa de seu discurso de posse: “melhoria dos serviços públicos” e um trabalho “permanente e continuado” para elevar a qualidade do gasto. Até agora, ela pouco fez para cumprir esse compromisso. O afastamento de vários ministros acusados de envolvimento em bandalheiras serviu, por algum tempo, para purificar o ambiente. Mas não produziu resultados de maior alcance. Os padrões da administração federal e do uso de recursos pouco ou nada mudaram, nem mudarão sem o abandono de costumes enraizados. O desafio é muito mais político do que administrativo. Até a incompetência gerencial, notória nos últimos anos, reflete uma concepção de poder e um estilo de ocupação da máquina pública. As irregularidades no Ministério do Esporte ilustram de maneira quase didática esses padrões. Isso talvez estimule a presidente a ir além da vassourada, agora, e começar um trabalho mais ambicioso de renovação de práticas e costumes.
Desde o início do programa Segundo Tempo, em 2004, entidades “sem fins lucrativos” foram beneficiadas com R$ 345,7 milhões, quase metade dos R$ 782,3 milhões aplicados pelo Ministério do Esporte. Uma fatia muito menor, R$ 270,6 milhões, foi destinada a municípios, segundo informações coletadas e analisadas pela organização Contas Abertas, uma das principais fontes de informação para quem quer saber como se usa o dinheiro público no Brasil.
Nem toda entidade “sem fins lucrativos” é criminosa, mas boa parte das malandragens com verbas públicas envolve organizações desse tipo. Os escândalos na área do Esporte não deixam dúvida quanto a isso. Além do mais, bandalheiras semelhantes têm ocorrido, de forma rotineira, em outros setores do governo. Nos 20 meses terminados em agosto, o Ministério do Turismo destinou R$ 120,5 milhões à qualificação de profissionais. Boa parte desse dinheiro foi entregue a ONGs – um número espantoso de entidades capacitadas, pelo menos do ponto de vista do Ministério, para ministrar cursos especializados.
A imprensa divulgou, na ocasião, algumas histórias notáveis de safadezas com dinheiro federal. A cúpula do Ministério caiu, foi substituída, e mais uma vez foi observado o critério de controle partidário. O enfeudamento da administração federal tem sido preservado pela presidente Dilma Rousseff, como se os partidos tivessem de fato direito sobre certas áreas do Executivo. No caso do Ministério do Esporte, o padrão aparentemente se mantém. Nos últimos dois dias, o noticiário sobre a possível demissão do ministro Orlando Silva incluiu referências a eventuais substitutos – todos vinculados ao PC do B.
Os escândalos têm sido acompanhados, com frequência, por informações sobre falhas no sistema de prestação de contas. ONGs e outras entidades, incluídas muitas prefeituras, demoram a apresentar relatórios sobre a aplicação do dinheiro recebido. Muitas nem sequer prestam contas. Além disso, os Ministérios nem sempre examinam as contas num prazo razoável.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), estavam acumuladas no Ministério do Esporte, no ano passado, 1.493 contas sem análise. Os atrasos, no entanto, são comuns na maior parte dos Ministérios e isso tem sido apontado com frequência pelo TCU. A fiscalização de fato acaba dependendo, enfim, do próprio Tribunal e da Controladoria-Geral da União, já que os Ministérios falham, muitas vezes, tanto nos critérios de distribuição de verbas quanto na cobrança de relatórios das entidades financiadas com dinheiro público.
O primeiro desafio da presidente Dilma Rousseff, se ela quiser cumprir a promessa de mexer na administração pública, será a reforma de certos costumes políticos. Não haverá mudança relevante na gestão federal enquanto Ministérios forem considerados feudos partidários. Isso vale, naturalmente, para autarquias e empresas. Em outros países a administração é muito mais profissional e os postos preenchidos politicamente são muito menos numerosos. Nenhuma lei divina condena o Brasil a continuar preso aos padrões atuais.
Mexer na administração será muito mais que uma tarefa moralizadora. Será uma forma de reforçar a democracia e, ao mesmo tempo, elevar a eficiência do governo. Nenhum dos grandes investimentos prometidos para os próximos anos será completado em prazo razoável sem uma boa chacoalhada na máquina federal. Centralizar os grandes programas no gabinete presidencial será apenas uma forma de remover os sofás e de contornar os problemas – com resultados obviamente duvidosos. Juscelino Kubitschek criou uma administração paralela, os Grupos Executivos, para implantar seu plano de metas. Seria loucura, hoje, tentar uma solução semelhante.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 26/10/2011
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