No Ministério da Educação (MEC), os três meses de governo foram marcados por polêmicas e nenhum avanço relevante em questões educacionais essenciais para o Brasil. A troca de cargos dentro da pasta culminou na demissão do próprio ministro Ricardo Vélez, substituído pelo economista Abraham Weintraub, que tem agora a árdua missão de recuperar o tempo perdido, restabelecer a credibilidade do MEC, e dar andamento às prioridades. Em uma série de reportagens especiais, o Instituto Millenium ouviu os maiores especialistas da área para avaliar a real situação do setor e traçar caminhos adequados a serem seguidos. Nesta primeira etapa, João Batista Araujo e Oliveira, Doutor em educação, presidente do Instituto Alfa e Beto e referência nacional na área, traça um panorama do que aconteceu até aqui e o que precisa ser feito em curto, médio e longo prazos. Confira!
A crise no MEC fez com que a pasta perdesse protagonismo e oportunidades de ação nesses primeiros meses de governo, segundo o especialista, que considera positiva a experiência gerencial da nova equipe, mas salienta que ainda falta conhecimento sobre os reais problemas da educação no Brasil. Para Batista, algumas questões podem atrapalhar o andamento dos trabalhos, como o excesso de emergências com capacidade para distrair o governo das reais prioridades; os ruídos na relação entre o Executivo e a imprensa; desafios impostos pela burocracia e aparelhamento da própria máquina; pressão externa de ONGs fortes ligadas a corporações e grupos de interesse; além do foco excessivo na guerra cultural e ideológica. Após o anúncio do novo ministro, uma das primeiras medidas foi a nova Política Nacional de Alfabetização, divulgada na última semana. “Isso certamente mostra um avanço e agilidade, inclusive alguma independência do ministro em relação a pressões que vieram do Palácio do Planalto. Mas, também, aponta para a existência de resistências internas, externas e até guerrilhas dentro do próprio MEC. Na véspera do decreto, saiu uma nota oficial do ministério que o contradizia”
Na opinião do especialista, traçar um diagnóstico é um dos passos mais importantes desta nova equipe. A partir daí, seria possível reconhecer os avanços e os gargalos, para enfim por em prática reformas essenciais nos diversos setores da área. Entre todas as urgências que sairiam deste levantamento, estão questões como as crises previdenciária e fiscal, e de que forma elas afetam a educação. “Essas duas crises podem ajudar numa nova forma de relacionamento com Estados e municípios. A questão da aposentadoria dos professores, por exemplo, não apareceu na reforma da Previdência até agora, e é muito séria, pois estados e municípios vão acumular uma dívida próxima a R$ 100 bilhões a serem pagos com recursos que não são do Fundeb ao longo dos próximos 15, 20 ou 25 anos. De onde vai sair esse recurso? Como afetará o desenvolvimento da educação”, questiona.
REFORMAS ESTRUTURAIS
Na educação básica, uma das prioridades é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que já foi aprovada. Na opinião de Batista, no entanto, o texto é frágil e pode causar ruídos e dificuldades de entendimento. “O outro caso foi a reforma do Ensino Médio, mas o principal não está feito, pois ela não dá clareza sobre o avanço no ensino profissionalizante, que seria o mais importante e não andou nada até hoje. E também em relação ao próprio ensino acadêmico, onde o Brasil é muito fraco porque tem um excesso de demandas e a diversificação não está clara”.
O financiamento da educação também está no topo desta lista. Batista acredita que o governo federal pode concentrar seus esforços para promover reformas estruturais nos estados e municípios, além de desenvolver estratégias adequadas para lidar com a atual realidade brasileira e as diferenças demográficas de cada região.
No ensino superior, destaca-se a necessidade de adequar o ensinamento às mudanças no mercado de trabalho. O especialista alerta para a defasagem do país, onde profissionais são formados sem as habilidades que os postos de trabalho demandam. “Outra questão é que o nosso sistema de ensino superior é baseado em um conceito, que está até na Constituição, chamado de ‘indissolubilidade de ensino, pesquisa e extensão’, e o resultado é que elas têm um custo caríssimo e não produzem pesquisa ou extensão de qualidade, então isso precisa mudar”, acrescenta.
No caso específico das universidades federais, o especialista reforça a necessidade de se criar estímulos para as instituições, novos mecanismos de governança, além de uma autonomia real associada à responsabilização. “Você tem hoje uma autonomia formal e uma amarração muito grande pela burocracia, além de uma irresponsabilidade, onde vai-se criando déficit e passando a conta para a viúva, além de uma ineficiente grande, e perda de alunos”.
No caso das instituições privadas, é adequado repensar os atuais mecanismos de regulação que, para João Batista, são caros e ineficientes. Neste ponto, é importante reforçar programas relevantes, como o FIES e o PROUNI, que garantem uma promoção de equidade para o ensino superior.
UMA REFORMA LIBERAL NA EDUCAÇÃO
O liberalismo tem tomado força na economia, mas os princípios desta doutrina também podem ser aplicados no setor educacional. Para o entrevistado, os ideais de liberdade seriam o melhor caminho para promover uma verdadeira reforma da educação brasileira. Na prática, isso significa um sentimento mais claro e avançado do Pacto Federativo, o que compete aos governos estadual e municipal; além de instrumentos de incentivo. “Mais do que obrigações, legislações e regulações, que hoje entravam o desenvolvimento da educação no Brasil, a título de proteger um ou outro grupo, eles acabam amarrando. A agenda liberal, do ponto de vista macro, seria mais para liberar a ação dos atores e usar estímulos do governo apenas quando necessário”.
O próprio Ministério da Educação, segundo João Batista, também carece de uma verdadeira reforma estrutural. Para ele, é preciso repensar o papel e a estrutura do MEC. “Hoje ele é montado como se fosse uma sede de grandes escolas, e não faz o que deveria, que é política educacional. Poderia ser um órgão mais enxuto e barato, mas isso só podemos pensar na medida em que decidimos qual é a função de um ministério dentro de uma agenda liberal de um país efetivamente federativo”.