Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Beatriz Rodrigues Sanchez é autora do estudo “Representação política e gênero no Brasil e nos países de democratização recente”. A pesquisa – realizada de março de 2012 a junho de 2014 – aborda uma contradição da democracia brasileira: o fato de as brasileiras representarem mais da metade da população e do eleitorado, mas estarem em minoria nas casas legislativas. “A sub-representação feminina em instituições políticas é um fato recorrente em todos os países do continente latino-americano”, explica Beatriz, acrescentando que a situação no Brasil, no entanto, é ainda mais grave: o país encontra-se no penúltimo lugar no ranking de mulheres nos parlamentos, ficando na frente apenas do Haiti.
Na semana do Dia Internacional da Mulher, em entrevista exclusiva para o Instituto Millenium, a pesquisadora faz um alerta: “A adoção de uma reforma política inclusiva e democrática que tenha como objetivo a correção dessa baixa representação feminina é urgente”. Beatriz é formada em Relações Internacionais, mestranda em Ciência Política pela USP e bolsista do projeto “Brasil, 25 anos de democracia: avaliação crítica: instituições de representação, sociedade civil, cultura política e políticas públicas”. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Qual fato motivou a pesquisa “Representação política e gênero no Brasil e nos países de democratização recente”?
Beatriz Rodrigues Sanchez: A pesquisa “Representação política e gênero no Brasil e nos países de democratização recente” foi fruto do projeto “Brasil, 25 anos de democracia: avaliação crítica: instituições de representação, sociedade civil, cultura política e políticas públicas” realizado por diversos pesquisadores do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo. O objetivo do projeto é examinar o funcionamento do regime democrático brasileiro levando em consideração seus principais procedimentos, conteúdos e resultados com base na abordagem da qualidade da democracia. Mais especificamente com relação à pesquisa sobre a representação política das mulheres, o fato de as brasileiras representarem mais da metade da população e do eleitorado, mas serem minoria nas instituições de representação levanta uma contradição fundamental para a consolidação da democracia em nosso país. Foi essa contradição que motivou a realização da pesquisa.
Instituto Millenium: Quais são os dados que mais chamam atenção, considerando a realidade brasileira e em comparação com outros países da América Latina?
Beatriz: A sub-representação feminina em instituições políticas é um fato recorrente em todos os países do continente latino-americano. Os dados revelam que na maioria dos países latino-americanos houve aumento da representação política feminina no período de redemocratização, mas a porcentagem de cadeiras ocupadas por mulheres ainda é muito menor do que a de homens. A situação do Brasil contrasta drasticamente com a dos demais países, especialmente Cuba, Costa Rica, Argentina, Equador, México, Bolívia e Peru. Esses países tiveram um aumento considerável da bancada feminina no Legislativo nos últimos anos, principalmente por conta da adoção de cotas para as mulheres na política. De acordo com dados da Inter-Parliamentary Union [organização internacional de parlamentos, que defende a democracia representativa], entre os países da América Latina, o Brasil encontra-se no penúltimo lugar no ranking de mulheres nos parlamentos, ficando na frente apenas do Haiti. Levando em consideração o contexto mundial, a situação é ainda mais grave: nosso país encontra-se na 117ª posição, em um total de 190 países.
Instituto Millenium: Com 51 deputadas eleitas, a bancada feminina da Câmara dos Deputados pouco cresceu em relação às eleições de 2010, quando 45 mulheres foram escolhidas nas urnas. Se, no início da atual legislatura, elas representavam 8,77% dos 513 deputados, em 2015 serão 9,94%. Como mudar este quadro?
Beatriz: Há uma série de aspectos institucionais que explicam a sub-representação das mulheres no contexto brasileiro. A adoção da lei de cotas, que prevê que os partidos reservem no mínimo 30% das candidaturas, não foi suficiente para aumentar o número de mulheres eleitas. Isso porque o Brasil adota um sistema eleitoral de lista aberta, o que quer dizer que os partidos, em coligação com outros ou não, lançam os seus candidatos e o eleitor escolhe um para cada cargo ou vota diretamente no partido pelo voto de legenda. Dessa maneira, os candidatos têm que competir individualmente pelos votos dos eleitores. Por isso, nesse sistema, o que mais conta é a campanha nominal e, consequentemente, o capital político dos candidatos. Se o Brasil adotasse um sistema eleitoral de lista fechada, os partidos apresentariam seus candidatos numa lista já ordenada e o eleitor votaria somente no partido ou numa das listas do partido. Assim, seria possível alternar uma mulher e um homem nas listas partidárias de forma a atingir a paridade de gênero.
Outra limitação para o funcionamento da política de cotas no Brasil diz respeito às chamadas “candidaturas laranjas”. Os partidos, para preencherem a cota prevista por lei, lançam candidaturas sem nenhum apoio partidário. Em alguns casos, como revelou a Procuradoria Regional Eleitoral de Minas Gerais, a mulher inscrita pela coligação ou partido não tem nem conhecimento de que seu nome e dados pessoais estão sendo utilizados. Em outros casos, as assinaturas que constaram dos formulários de pedido de registro de candidatura não eram verdadeiras. Isso revela o quanto os partidos são espaços de difícil permeabilidade para as mulheres.
Outro aspecto que dificulta uma maior inserção das mulheres na política é o financiamento desigual de campanhas entre candidatas e candidatos. A individualização das campanhas compromete a igualdade política, particularmente no caso do Brasil, onde cada candidato pode aportar recursos financeiros excessivos para sua campanha, pois inexiste um teto real estabelecido pela lei eleitoral. Isso traz dificuldades àqueles com quantias inferiores e, consequentemente, prejudica as mulheres, que têm, em geral, menor capital político e menor participação em redes que favorecem o acesso a recursos de campanha. Mulheres e homens têm arrecadações muito distintas e, dada a alta correlação existente entre financiamento e sucesso eleitoral, este é um elemento central para explicar o baixo desempenho eleitoral das candidatas.
Instituto Millenium: Quais são as consequências da baixa representação feminina nas casas legislativas?
Beatriz: A principal consequência da baixa representação feminina nas casas legislativas diz respeito à dificuldade do Congresso em pautar questões relacionadas aos direitos das mulheres. Além disso, a sub-representação das mulheres no Brasil pode ter efeitos negativos sobre o interesse político das eleitoras. A baixa representação feminina revela a existência de déficits de funcionamento do regime democrático brasileiro, já que mais da metade da população, apesar de ter seus direitos políticos assegurados, não possui condições igualitárias de competição eleitoral. Por isso, a adoção de uma reforma política inclusiva e democrática que tenha como objetivo a correção dessa baixa representação feminina é urgente.
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