Os mercados continuam respondendo bem às expectativas favoráveis de retomada da economia global, variando apenas aqueles que divergem sobre a intensidade desta recuperação. Na semana passada a agenda foi intensa de indicadores, mas chamaram a atenção alguns fatos, como a cautela do FMI na construção do cenário da economia global e certos indicadores norte-americanos não tão favoráveis, como o payroll, o que acabou provocando um movimento corretivo nos mercados na quinta-feira (dia 1).
No relatório do FMI, World Economic Outlook, com projeções e prognósticos sobre a economia global, a cautela foi uma constante, afirmando-se que a retomada se dá sobre “pilares frágeis”, já que um dos problemas estruturais das economias mais afetadas, qual seja, a situação patrimonial dos sistemas bancários, segue como uma incógnita, pois embora tenha ocorrido certa melhoria nas carteiras de crédito dos principais bancos, elas continuam carregadas de crédito podre. Somado a isto, os intensos gastos públicos dos países em políticas públicas ativas devem mostrar seus corolários no futuro, quando as “bombas” armadas tiverem que ser desativadas. Em outras palavras, em algum momento os governos terão que pensar em políticas fiscais austeras, com cortes de gastos, visando amenizar as pressões sobre o juro e a oferta de crédito.
Estimativas do FMI indicam que as dívidas públicas dos países ricos, na média, devem passar de 110% do PIB em 2014, estando em torno de 90% atualmente. Nos EUA, o déficit público foi a R$ 1,6 trilhão no ano fiscal corrente (11,2% do PIB), o maior desde a Segunda Guerra Mundial. Se o governo Obama se ajustar a um cenário fiscal melhor, este rombo fiscal pode cair a R$ 1,4 bilhão, 9,6% do PIB, havendo a hipótese de um recuo a 4% do PIB em 2019. Neste cenário de melhoria fiscal, os mercados de juros não devem operar tão pressionados, já que o déficit cairá, reduzindo a demanda por prêmios mais altos para o carregamento dos títulos públicos e melhorando no horizonte dos investidores.
Por outro lado, caso esta situação fiscal se mantenha ruim, a possibilidade de crowding out acabará se confirmando, pelo crescimento do espaço do setor público nas economias e a perda do setor privado. Ressaltemos que o papel do setor público nesta crise foi essencial, ocupando espaços deixados pela demanda agregada privada que se retraiu num momento crítico, mas importante também será saber o timming exato em que o setor público deverá sair para estimular o setor privado, com muito mais capacidade empreendedora e de investimentos.
O FMI, inclusive, acha que os avanços recentes da economia global são incontestáveis. Pelos dados recentes, a retomada vem sendo possível pela recomposição dos estoques e os gastos públicos. Estes, no entanto, devem ser esgotar em algum momento, com a trajetória fiscal não sustentável no longo prazo. E aí? É importante lembrar que o envelhecimento das populações e o aumento dos custos da assistência médica se tornam fatores adicionais de pressão na área fiscal. Citamos, a seguir, alguns pontos em destaque no relatório do FMI divulgado na semana passada.
– Os emergentes devem liderar esta retomada, saindo primeiramente da crise do que os ricos. Naqueles, destaque para a China, que deve se manter crescendo mais de 8% neste ano e no próximo, impulsionada pelos investimentos em infraestrutura e exportações. O Brasil também se torna destaque para o FMI, pelas acertadas políticas anticíclicas adotadas, destacando a isenção do IPI e a injeção de liquidez, ao mercado de crédito, adotada pelo BACEN. Para o FMI, o Brasil cresce 3,5% no ano que vem, depois de recuar 0,7% neste ano. A Lopes Filho acha que há espaço para um crescimento maior no ano que vem, projetando 4%, depois de um desempenho estável neste ano, com retração no primeiro semestre e uma forte recuperação no segundo.
– As perdas dos bancos nos países ricos acabaram menores do que o esperado, em torno de US$ 3,4 trilhões até fins de 2010. No primeiro semestre deste ano, as perdas bancárias chegaram a US$ 1,3 trilhão e devem totalizar US$ 2,8 trilhões neste ano. Preocupa, no entanto, o fato dos bancos europeus e norte-americanos necessitarem de um considerável volume de reservas de capital para se protegerem dos choques, no esforço de restabelecer os canais de crédito. Segundo o FMI, os bancos ainda precisam reconhecer US$ 1,5 trilhão de prejuízos. O problema é que a inadimplência do setor imobiliário segue preocupando.
– Nas estimativas do FMI, nada surpreendente, com o mundo recuando 1,1% neste ano para crescer 3,1% em 2010. Como já colocado acima, o motor desta recuperação deve vir pelo lado dos emergentes, com destaque para a China. Os EUA ainda devem sentir o tranco da crise, recuando 2,7% neste ano, mas causa preocupação o estado ruim do mercado de trabalho, que nesta semana foi a 9,8% da PEA em setembro, o que deve impactar na retomada desta economia, visto que o consumo privado segue muito receoso. Por lá, o motor do crescimento se encontra no consumo das famílias, representando 70% do PIB, mas este pouco vem reagindo nos últimos meses, com o nível de poupança tendo aumentado, atualmente em torno de 5% do PIB.
– Os países da Zona do Euro acabaram fortemente impactados, devendo recuar 4,2% neste ano, com as taxas de desemprego, na maioria dos países, superando 10% da PEA. Isto se explica pelo excesso de encargos nestes países, o que os transforma em mercados rígidos, ao contrário do mercado de trabalho norte-americano bem mais flexível e com menos encargos sociais. Pela fragilidade dos mercados de trabalho e pela situação dos bancos, os europeus devem retomar mais lentamente do que os EUA.
– Voltando-se para América Latina, estima-se crescimento de 2,9% em 2010, com destaque aos países que adotaram acertadas políticas públicas, como Chile e Brasil. Por outro lado, Argentina e Venezuela acabaram castigadas pelas suas políticas populistas e pouco consistentes.
Por fim, o FMI traça um cenário mais otimista para a economia global do que no início do ano, mas ressalta certa cautela diante das incertezas em relação ao estado dos sistemas bancários, o retorno do crédito e a trajetória das dívidas públicas nos países mais envolvidos. Mesmo assim, acredita que a retomada se consolidará nos próximos dois anos, desde que neste período políticas de regulação dos sistemas bancários sejam adotadas.
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