Programas de transferência de renda são um importante instrumento de combate à pobreza. O objetivo é reduzir o número de famílias cuja renda per capita familiar esteja abaixo da linha de pobreza, definida como o valor de uma cesta de bens e serviços considerada o mínimo necessário para a sobrevivência.
O Brasil foi inovador na utilização desta política. No início dos anos 90 do século passado, o País introduziu programas de transferência de renda com condicionalidade. Para estarem aptas a receber a transferência, famílias com filhos em idade escolar teriam de colocá-los na escola. O objetivo da condicionalidade é criar incentivos para que as famílias pobres mantenham seus filhos na escola, em lugar de colocá-los no mercado de trabalho e, desta forma, diminuir a probabilidade de permanecerem pobres no futuro.
A decisão de adotar o isolamento social em razão da pandemia de covid-19 teve um efeito devastador sobre a capacidade de geração de renda de um grande grupo de trabalhadores sem proteção social, os trabalhadores informais e os por conta própria. São trabalhadores que estavam inseridos no processo produtivo (cabeleireiros, donos e garçons de pequenos bares e restaurantes, cozinheiros, camelôs, costureiras, fotógrafos autônomos, etc.) e que, antes da pandemia, tinham uma renda per capita familiar acima da linha de pobreza.
Diante desta emergência, foi implementado um programa que transfere R$ 600,00 por mês, durante três meses, para este grupo de trabalhadores, além da inclusão neste programa dos beneficiários do Bolsa Família. A hipótese implícita é a de que a situação se normalizasse após esse período. É um programa que tem um custo elevado, cerca de R$ 50 bilhões por mês. O programa Bolsa Família, que é focalizado nas famílias pobres, tem um custo de R$ 30 bilhões por ano.
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Entretanto, a saída do isolamento social deverá ser mais lenta do que o esperado. Diversas regiões do País estão adotando medidas de flexibilização do isolamento, mas esse processo será lento e gradual, para evitar uma segunda onda de contágio.
Como resultado, existe uma forte pressão para a prorrogação do programa emergencial ou, no limite, que se torne permanente.
Prorrogar o programa é, certamente, a decisão correta a ser adotada neste momento. A questão é se deve ser transformado num programa permanente e qual o valor da transferência.
Como o isolamento social está sendo flexibilizado e a circulação de pessoas deverá aumentar paulatinamente nos próximos meses, a demanda pelos bens e serviços e a renda destes trabalhadores deverão começar a retornar aos níveis anteriores à pandemia. Nesse sentido, manter o valor da transferência não é uma decisão adequada, por seu elevado custo.
Por outro lado, estes são trabalhadores que estavam inseridos no processo produtivo, produziam bens e serviços para o mercado. Diante disso, em lugar de transformar este programa emergencial em permanente, o Brasil poderia inovar novamente, criando condições para que estes trabalhadores sejam reinseridos no processo produtivo com aumento de produtividade.
A produtividade dos trabalhadores depende da disponibilidade e da qualidade do capital físico e do estoque de capital humano dos trabalhadores. Em vez de manter o valor do benefício, a alternativa seria reduzir paulatinamente o valor da transferência, formalizar estes trabalhadores (MEI) e disponibilizar recursos por meio de um amplo programa de microcrédito, com período adequado de carência, para aumentar o estoque e a qualidade de capital físico à sua disposição. Com esses recursos, estes trabalhadores poderiam comprar novas máquinas e equipamentos (máquinas de costura, equipamentos fotográficos, fogões, etc.), gerando expressivos ganhos de produtividade e de renda. E utilizar o sistema S (Senai, Senac, Sebrae, etc.) para aumentar seu estoque de capital humano. Uma saída que olha para o futuro!
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 6/6/2020