Desde 2003 o governo federal vem implantando uma política de conteúdo local intervencionista em excesso, pouco transparente e que vem afastando investidores privados, penalizando a Petrobras e inviabilizando a presença de pequenas e médias empresas no setor de petróleo e gás natural.
Essa política exige que um porcentual dos bens e serviços deva ser adquirido de empresas locais, visando a criar no Brasil uma indústria de referência mundial no segmento de fornecimento de bens e serviços para a atividade de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural. A ideia seria aproveitar o volume significativo de recursos investidos no setor de óleo e gás para ampliar a participação da indústria nacional no fornecimento desses bens e serviços, em bases competitivas e sustentáveis, a fim de traduzir os investimentos do setor em geração de emprego e renda para o país.
O estabelecimento de conteúdo local com o objetivo de incentivar o desenvolvimento de setores ligados à cadeia do petróleo é legítimo e desejável. No entanto, a definição dessa política deve ser concebida no âmbito de um projeto de política industrial não só no âmbito do setor de petróleo, visando a aumentar a eficiência, a produtividade, o emprego e a qualificação de mão de obra no longo prazo, além de atrair empresas especializadas estrangeiras para o país. Não se deve cair na tentação de partir para o protecionismo industrial, que levaria a cadeia da indústria a aumentar o seu investimento apenas no curto prazo e acabaria beneficiando os “amigos do rei”, criando e incentivando empresas sem nenhum comprometimento com a eficiência e as boas práticas de mercado.
A principal crítica à política de conteúdo local da forma como é adotada no Brasil é que, por ser mandatória, tende ao protecionismo industrial e privilegia a contratação de empresas locais mais por critérios políticos e menos pela racionalidade econômica. Essa escolha ineficiente aumenta o custo dos investimentos, gera atrasos no cronograma de investimento e cria uma atmosfera adequada para a corrupção. Além disso, acaba por dar pouco ou nenhum incentivo a pequenas e médias empresas, que deveriam ser as grandes beneficiadas pela política de conteúdo local.
Outro fato que merece destaque foi a perda de tempo e de timing por o país ficar, na prática, oito anos sem leilões por causa dos debates da legislação do pré-sal. Isso penalizou as empresas, que hoje poderiam ter mais projetos em andamento e, ao mesmo tempo, reduzir a dependência do mercado das compras da Petrobras. Por outro lado, a nova legislação, ao criar o operador único, não expõe os fornecedores de bens e serviços às exigências de operadores internacionais, o que facilitaria a inclusão das empresas brasileiras no mercado internacional.
[su_quote]A prioridade da política de conteúdo local deve ser aprender e desenvolver o processo produtivo[/su_quote]
Nesse sentido, é preciso refletir se é bom para o país implantar uma política de conteúdo local a qualquer custo. Não existe uma lei específica que proíba a importação de bens e serviços utilizados na atividade de E&P. Porém, políticas de conteúdo local mandatórias, ao estabelecerem como critério de mensuração o porcentual dos gastos com bens e serviços adquiridos de empresas domésticas, podem levar a efeitos perversos semelhantes àqueles gerados por uma reserva de mercado, bastante conhecidos mundo afora.
A prioridade da política de conteúdo local deve ser aprender e desenvolver o processo produtivo, e não apenas assegurar a destinação de um porcentual mínimo dos gastos, sem considerações sobre o conteúdo tecnológico. Seria muito mais interessante induzir parcerias e transferência de tecnologia que promovessem a indústria nacional, como adotado por países que têm uma política de conteúdo local de sucesso, como é o caso da Noruega. Assim, empresas locais estariam em igualdade de condições para competir com as estrangeiras no fornecimento de bens e serviços, o que as capacitaria para serem referência no mercado fornecedor de bens e serviços para o segmento de exploração e produção de petróleo e gás natural no Brasil e no mundo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 1º/7/2015
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