O destino da democracia e a retomada do crescimento econômico dependerão da resposta que vamos dar nos próximos seis meses a uma pergunta crucial: que Brasil queremos reconstruir após a pandemia do coronavírus? Se continuarmos a seguir a máxima do sambista Zeca Pagodinho e deixarmos a vida nos levar, vamos continuar marchando rumo ao abismo político, econômico e social.
O populismo pariu a pandemia política que corroeu a civilidade, o diálogo e a confiança no País. A economia mergulhou novamente na recessão, jogando metade de população economicamente ativa no desemprego e evaporando a confiança dos investidores no Brasil. Por fim, as pandemias de saúde, política e econômica agravaram a desigualdade social. Além da destruição do emprego e do aumento da pobreza, morrem quatro vezes mais pobres do que ricos em cidades onde o saneamento básico é precário: 35 milhões de brasileiros não têm água em casa para lavar as mãos e mais de 100 milhões vivem sem esgoto tratado.
Felizmente, as pandemias de saúde, política e econômica despertaram a consciência cívica de que temos de agir para não nos tornarmos coautores de um legado desastroso: deixar para nossos filhos e netos um Brasil carcomido pelo populismo, pelo corporativismo e pelo voluntarismo do Estado intervencionista. A união cívica tornou-se a grande arma contra o radicalismo e os impulsos autoritários de uma minoria radical que não consegue conviver com a pluralidade de ideias, a diversidade de opiniões e as regras de civilidade de uma sociedade democrática. Esse amadurecimento cívico ocorreu em três fases.
Primeiro, as lideranças públicas e cívicas uniram esforços para atender às demandas emergenciais dos mais necessitados por comida, máscaras e insumos hospitalares. Foi um movimento importante, que ajudou a tirar as pessoas de suas tribos, sepultar preconceitos e forjar o espírito de cooperação e trabalho em equipe para enfrentar a crise e buscar soluções práticas com celeridade e eficiência. A crise e as necessidades básicas ressuscitaram a solidariedade humana e a consciência de que estamos todos no mesmo barco e só depende de nossas ações e escolhas singrarmos em direção ao inferno ou ao paraíso.
Segundo, a pandemia política somou-se à pandemia de saúde. Deparamos com um país desgovernado e um presidente da República incapaz de liderar e coordenar ações e respostas à crise, revelando uma inabilidade ímpar para trabalhar em parceira com o Congresso e os governadores.
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Ao invés de passar tranquilidade e confiança à população, despertou intranquilidade na Nação ao demonstrar apreço por bandos de delinquentes que pregam o autoritarismo nas ruas e nas redes sociais. Ao ver a democracia em perigo, as diferenças que nos separam tornaram-se secundárias perante a necessidade imperiosa de defendermos a liberdade e a ordem democrática. Novamente a união cívica mostrou sua força. Adversários políticos uniram-se em torno da defesa da democracia; a sociedade civil uniu-se em torno de movimentos pró-democracia; a imprensa livre e independente uniu esforços em torno da defesa da democracia, da liberdade de expressão e da credibilidade da informação confiável.
Mas a união cívica se converte em força transformadora quando a sociedade está unida em torno de objetivos claros e propostas concretas.
Esta é a terceira fase do movimento cívico que se inicia agora: forjar a união do Brasil em torno de uma agenda focada na retomada do crescimento econômico, do emprego e do investimento privado. A agenda da retomada do crescimento demandará espírito cívico, pressão da sociedade e grandeza do Congresso. A mudança de atitude começa dentro de cada um de nós: o altruísmo precisa vencer o cinismo, a defesa de princípios tem de se sobrepor à defesa de interesses pessoais, a esperança é capaz de aniquilar o medo. Não é possível definir prioridades nacionais a partir da visão estreita de interesses setoriais. É preciso pensar o País, e não pleitear benefícios, isenção fiscal e medidas protecionistas que vêm contribuindo para arruinar a competitividade e a produtividade da economia brasileira.
Quando a sociedade civil, o setor privado e o Congresso estão unidos em torno de uma pauta, coisas extraordinárias acontecem. Essa união foi fundamental para a aprovação das reformas trabalhista e previdenciária e será vital para a vitória das reformas tributária e administrativa, a votação do marco do saneamento básico, dos projetos de lei capazes de garantir a segurança jurídica e de travarmos uma discussão racional sobre o programa de renda básica. O desgoverno no País tem de ser remediado pelo protagonismo do Poder Legislativo. O apoio do Congresso Nacional, do governo e do Judiciário à agenda nacional será fundamental para transformar os desejos da sociedade em leis e normas que possam estimular a retomada da economia, do emprego e dos investimentos. O momento é agora! Unidos, é possível mudar o Brasil e construirmos o país que queremos.
É possível mudar o Brasil e construir o país que queremos. O momento é agora!
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 24/6/2020