Há alguns dias, deputados do PT propuseram à Câmara Federal uma reforma na tributação do Imposto de Renda, algo, até então, consensualmente necessário. Mas, apesar de ocasionar em menos tributos para determinadas faixas salariais, o novo formato traria consigo uma polêmica: uma escorchante alíquota de tributação que pode chegar a 40%, algo que pode abrir o perigoso precedente de fazer arcar com um suposto salvamento da crise fiscal quem não necessariamente a criou. Ademais, qual o impacto dessa proposta para as contas públicas? Haveria distorções no mercado ou no setor produtivo? E os mais pobres, realmente serão beneficiados com a mudança?
Primeiro, vale citar que qualquer redução de impostos pode ser positiva para a economia do país, uma vez que o indivíduo tende a utilizar os próprios recursos melhor que terceiros o farão, algo reforçado pelo Nobel de economia Milton Friedman, ao falar sobre as formas de se gastar dinheiro.
Por outro lado, não se pode penalizar o mérito e, mais do que isso, os homens públicos, antes de tentarem corrigir um problema, precisam pensar se tal “correção” resolve algo de fato, bem como se novos problemas ainda maiores não serão gerados.
Impacto nas contas públicas
Apesar de serem apenas 0.26% os declarantes que recebem acima de 160 salários mínimos eles logram cerca de 22% de todos os salários, tratando-se de valores. Por esse prisma pode parecer uma contribuição significativa para o governo na área fiscal. No entanto, o total de arrecadações do Imposto de Renda de Pessoa Física não chega a R$ 24 bilhões no ano de 2015, dos quais cerca de 5,2 bilhões advindos dos super salários.
Na nova proposta a estimativa é que o total anual arrecadado do público em questão seja em torno de R$ 28,5 bilhões — dados da Chicago Boys Investimentos. Ainda que represente um crescimento de 5 vezes para um determinado público, a estimativa de valor a ser arrecadado está longe dos 80 bilhões afirmados pelo PT ao lançar a proposta e ainda mais distante do necessário para sanar o déficit primário das contas públicas em 2015, que fechou em cerca de R$ 119 bi, ou 2,1% do PIB.
40% é justo?
Conforme abordado pelo advogado e economista Bernardo Santoro, tributar em 40% determinados salários poderia até ser considerado confisco e, portanto, inconstitucional porque a tributação direta (impostos sobre a renda e patrimônio) já recai em maior escala sobre os mais ricos, aqueles que conseguem poupar, ao passo que a tributação indireta (consumo) recai em maior percentual sobre os mais pobres, que consomem parte significativa do que recebem.
Além disso, não podemos olhar esta questão sob a perspectiva da inveja ( “eles têm muito e eu não”) e menos ainda da irresponsabilidade ( “estou longe desse patamar de salários, portanto, não tenho com o que me preocupar”). Se uma empresa paga R$ 108.480,00 a um trabalhador, com certeza, o mesmo rende a ela, no mínimo, R$ 108.481,00. Se não, para que a companhia teria esse custo fixo?
A valorização de um profissional depende essencialmente: 1) da produtividade desse profissional; 2) e da oferta e demanda de trabalhadores ( do mesmo patamar, é claro) no mercado, sendo que ambas variáveis dependem da qualificação – um misto entre educação e experiência. O primeiro item é evidente, dispensa explicação, já o segundo, é fundamental por conta do profissional tornar-se um “bem escasso” à medida que se qualifica.
Pois bem, se um cidadão se esforça para ser mais qualificado, preparado e mais produtivo em seu trabalho e luta anos para chegar onde apenas menos de 1% dos celetistas chega, é justo que seja penalizado e entregue, compulsoriamente, 40% de tudo que receber?
O benefício aos mais pobres
Se por um lado a proposta é injusta por conta do excesso de taxação sobre os maiores salários, por outro lado, não é verdade quando afirmam que ela beneficiará os mais pobres, pois os salários entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00 representam o que é recebido por 54% da população do país (SAE- Secretaria de Assuntos Estratégicos),ou seja, que são isentos de IR atualmente. Se formos nos guiar pelos dados do IBGE são cerca de 74% que recebem menos de dois salários mínimos, portanto, abaixo dos R$ 1.903,99, faixa que se inicia a tributação de IR.
Já para as classes médias seria necessário fazer muito mais, uma vez que, com a “ajuda” da inflação de 2 dígitos do ano passado, a defasagem acumulada da tabela de Imposto de Renda atingiu 72% nos últimos 20 anos – na prática, pagamos mais impostos.
O mercado
Para finalizar, os profissionais que hoje pagam 27,5% e passariam a faixas de tributação de 40% sofreriam grande defasagem salarial e as empresas que precisam desses trabalhadores tenderiam a repor esses salários, pressionadas a aumentar o rendimento bruto desses executivos (pagando, portanto, mais impostos). Provavelmente, isso levaria a extinção de super-salários, tornando-os Pessoa Jurídica para fugir da tributação. Para o especialista em Direito Tributário, Rodrigo Lara: “Haveria outras consequências se uma reforma desse tipo for aprovada, com prejuízos à previdência social, às contas do FGTS, que são utilizadas para o financiamento da habitação, e a consequente precarização das relações de trabalho”.
E, claro, se a empresa precisar de um profissional do patamar mais alto e os custos da companhia subirem, sem aumento de produtividade ou crescimento econômico, não há dúvidas que a companhia precisará cortar custos ( lê-se: mandar embora trabalhadores da parte debaixo da pirâmide para recompor os custos).
Ademais, a proposta vai desincentivar a produtividade, já que o salário dos trabalhadores registrados permite que os tributados em 40% recebam um valor líquido menor do que outros salários bem abaixo desse patamar. Portanto, cria-se um teto para produtividade. Para que esforçar-se para trabalhar mais se, ainda sim, vai ganhar menos?
A grosso modo, profissionais com salários brutos entre R$ 108.480,01 e R$ 147.649,43 receberiam um valor líquido menor do que salários brutos na faixa de tributação de 30%.
Deste modo, há de se ressaltar que essa nova ideia requer análise com cautela. Uma reforma tributária é mais que necessária, mas ela precisa ter foco em diminuir e simplificar impostos e isso só acontece de forma sustentável se houver consonância com um setor público produtivo, eficiente, que promove investimentos e mantém a rigidez no equilíbrio fiscal e no combate à inflação – ou seja, ainda que só a parte “boa” da proposta fosse aplicada (desonerações para a classe média), ela dificilmente se sustentaria de forma saudável sem tais pilares.
É preciso haver mais conscientização de que demagogias só beneficiam quem ainda não tem uma minoria para chamar de sua. Pouco adianta acreditar que problemas do setor público e demandas da sociedade vão se resolver sem que ninguém pague nada ou que um grupo específico de pessoa vá quitar a conta sozinho e quieto.
Portanto, apesar de travestida de boas intenções, ou do que chamam de “justiça social”, tal mudança na tributação certamente é benéfica, mas apenas do ponto de vista político para quem a propõe, algo, infelizmente, não tão certo assim quanto as consequências a serem geradas para a economia do país.
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