Além de desarrumar suas contas, seja por aumentos exagerados de gastos, seja por desonerações tributárias ineficazes, a União acabou induzindo um novo ciclo de desajuste das contas das esferas subnacionais, que hoje se agrava pela recessão.
As experiências variam muito, mas, basicamente, os estados brasileiros foram instados, a partir de 2012, a ingressar num novo ciclo de endividamento, fundamentalmente com base em dinheiro captado pela União no mercado financeiro e canalizado através de bancos oficiais. Essa nova onda ascendente se contrapôs a um longo período em que o endividamento estadual era fortemente controlado, levando à geração de razoáveis resultados fiscais primários (ou seja, antes de contabilizar juros) e a uma expressiva queda da razão entre a dívida desses entes e suas receitas.
[su_quote]Lideranças políticas precisam se libertar dos impasses atuais e encontrar os caminhos para nos tirar desse caos financeiro[/su_quote]
Já no novo ciclo, os superávits viraram déficits primários, puxados pelos gastos de pessoal, e as dívidas voltaram, obviamente, a subir relativamente às receitas.
A União poderia simplesmente ter mantido o antigo sistema de controle em pé, criado especialmente depois da última grande renegociação de dívidas estaduais, quando bastava deduzir das transferências automáticas por repartição de receitas os pagamentos das dívidas renegociadas, garantindo que esses pagamentos acontecessem. No mais, era só controlar a concessão de empréstimos, cuja autorização o Senado havia delegado ao Ministério da Fazenda.
A desculpa para fugir do padrão anterior era, agora, a necessidade de reativar a economia, ou compensar os entes pelas perdas decorrentes da desoneração de tributos incidentes sobre certos segmentos privilegiados cujas receitas eram compartilhadas com eles. O governo não quis ver que, sob o modelo econômico errado que adotava, a economia iria à frente desacelerar — e, assim, piorar as coisas do lado fiscal.
Em poucos anos, o aumento do endividamento estadual foi brutal. O efeito da derrama de empréstimos fáceis nas mãos dessas entidades começou a se mostrar nos balanços estaduais a partir de 2012, quando as operações de crédito atingiram 4,5% do total das receitas não financeiras, em contraste com a média de 1,5% daquela variável na fase 2002-2012. Em 2013, esse número cresceu para 5,8% e fechou 2014 em 5% do total das receitas primárias.
O novo ciclo não se tratou de um movimento posterior aos estados terem levado a Brasília uma relevante e expressiva carteira de investimentos com vistas a obter financiamento. Era mais no sentido oposto. Ou seja, o dinheiro dos bancos oficiais, em grande medida oriundo da colocação de dívida mobiliária federal junto aos mercados financeiros, era oferecido aos entes, e só depois viria a decisão do uso que seria dado aos recursos. Apertados pelo efeito depressivo das desonerações dos tributos federais sobre as transferências automáticas recebidas da União, o que foi posteriormente reforçado pela própria desaceleração da economia, os governadores saudaram euforicamente a bonança. Só que, agora, muitos estão com contas elevadas de pessoal para pagar, Levy cortou a liberação de empréstimos, e a recessão jogou a arrecadação no chão.
Ou seja, o pior é que parte desses recursos foi, direta ou indiretamente, desviada para a ampliação de gastos de pessoal, em vez de investimentos. Daí, dois resultados desastrosos dessa incompreensível mudança. O primeiro foi o fato de que os investimentos passaram a ser financiados não mais por fluxos crescentes de poupança pública, que vinham ocorrendo mas agora passaram a cair, e sim por meio do aumento do endividamento.
O segundo foi que houve uma verdadeira corrida das corporações de servidores aos cofres públicos, que tentaram emplacar, junto a governos fracos, novas vantagens pecuniárias, aproveitando a maior folga financeira. E o pior é que muitos dos reajustes salariais concedidos só estão tendo efeito neste e, talvez, nos próximos exercícios.
Assim, o Brasil se debate com uma crise que foi gerada basicamente aqui dentro, a partir de decisões equivocadas da instância federal, que promoveram tanto aumentos exagerados de gastos como quedas desnecessárias de receitas. De lá, foi só um passo chegar às demais esferas de governo, algo que a União não quis ou não teve forças para evitar. Agora que a economia entrou numa das maiores recessões dos últimos tempos, sem caminho claro de saída, explicam-se os desequilíbrios financeiros pelo desabamento das receitas tributárias, mas nos estados os problemas claramente começaram antes.
Pelas óbvias dificuldades de criar novas receitas, só resta cortar o que dá, e isso acaba sendo insuficiente e recaindo onde não deveria, ou seja, nos investimentos. Ou, então, nos casos mais complicados de alguns estados, diante de um buraco financeiro gigantesco, recorrer ao velho recurso de atrasar o pagamento de salários, item de maior peso na pauta.
Por essas e por outras é que as lideranças políticas precisam se libertar dos impasses atuais e encontrar os caminhos para nos tirar desse caos financeiro, matéria para outro artigo.
Fonte: O Globo, 14/12/2015.
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