Sempre houve, em países desenvolvidos, forte relação entre necessidades da sociedade e boas universidades. Desde a emergência desta, sua função principal foi a de preparar estudantes para os papéis necessários para a época, como pessoas letradas para conduzir os negócios da alma ou do Estado, na Europa Medieval, ou, mais recentemente, profissões demandadas pelo mercado de trabalho.
Da mesma forma, coube às instituições de ensino superior produzir conhecimento que permitisse avanços no enfrentamento de desafios e no estabelecimento de novas fronteiras.
Como nos lembra Joseph Aoun em seu livro, “Robot-Proof: Higher Education in the age of Artificial Intelligence”, os seres humanos caminharam na Lua, dividiram o átomo e desenvolveram a internet a partir de pesquisas realizadas em universidades.
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A cada transformação histórica no processo produtivo, como a Revolução Industrial e a criação de organizações complexas com cadeias verticais de comando, a resposta encontrada foi, por um lado, extinguir postos de trabalho, mas, por outro, criar novos e demandar mais educação de seus ocupantes. O mesmo ocorreu com o advento dos computadores.
Mas, há hoje, frente à emergência da inteligência artificial, uma lógica diferente: a velocidade de extinção de empregos se acelerou e passou a atingir mesmo trabalhos que demandam competências cognitivas não rotineiras.
Quando se lida com máquinas que aprendem, não basta demandar maior escolaridade dos seres humanos nem ensiná-los a pensar; há que se ensinar a pensar diferente.
Esse é o novo desafio para a universidade, segundo Aoun. Ela deve ensinar os alunos a aprender ao longo da vida e oferecer cursos de diferentes durações e intensidades, para profissionais que mudam constantemente de postos de trabalho.
Deve também ensinar competências que são especificamente humanas, em que nos saímos melhor que robôs, como pensamento crítico ou resolução criativa e colaborativa de problemas, e promover duas características interligadas: imaginação e curiosidade.
Para isso, deve se ligar em rede a outras escolas terciárias, criando o que Aoun chama de multiversidade. Precisa ainda acompanhar os egressos em seus caminhos profissionais com atividades que complementem a formação recebida, inclusive mentorias ou cursos que não necessitam ser previamente definidos como de graduação ou pós, com certificações por blocos independentes, ligados às necessidades de recapacitação de cada um.
Isso não vai resolver todo o problema criado pela automação, mas formará, com certeza, seres humanos mais aptos a enfrentar suas consequências.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 04/05/2018