O tema da cobrança de mensalidade para serviços de educação superior tem a mesma natureza do pedágio urbano, sobre o qual escrevi minha coluna do dia 1º.
O pedágio urbano justifica-se porque um bem econômico público, as vias públicas, torna-se um bem econômico privado quando se congestiona. A natureza econômica das vias públicas altera-se de acordo com a intensidade do seu uso. As universidades públicas oferecem dois serviços de natureza distinta, apesar de haver complementaridades entre eles. A atividade de pesquisa constitui um bem público no sentido econômico, enquanto a atividade de ensino constitui um bem privado.
O que se chama de “bem econômico público” na literatura econômica é aquele que tem a propriedade técnica da “não rivalidade”: o fato de uma pessoa utilizar o bem não impede que outra(s) pessoa(s) também o utilize(m) simultaneamente. A circulação de um automóvel em uma rua não impede que outro a utilize simultaneamente enquanto não houver congestionamento.
As vias públicas, portanto, são bens públicos imperfeitos, pois estão sujeitas à congestão. O conhecimento é o exemplo mais puro de bem público. O fato de uma pessoa estudar aritmética não impede que outra pessoa estude a mesma disciplina. Assim, a aritmética é um bem público.
O conhecimento produzido pela pesquisa universitária é um bem público. É não rival. Adicionalmente, a natureza do conhecimento produzido na universidade – de interesse geral e normalmente sem aplicação direta – dificulta que patentes sejam um recurso possível para garantir geração de renda que financie a estrutura da universidade.
Ou seja, a pesquisa descompromissada de maiores interesses econômicos conduzida nas universidades tem que ser financiada por recursos de natureza pública. Note que não há necessidade de a universidade ser pública no sentido legal. Muita pesquisa descompromissada nos EUA é produzida em instituições privadas. O importante é que essas instituições, sejam as legalmente públicas, sejam as privadas, financiem a pesquisa com receitas de natureza pública.
O ensino universitário é um bem de natureza privada. As competências, as técnicas e o conhecimento transmitido ao aluno nas universidades aumentarão a produtividade dele. Ele conseguirá recuperar privadamente o valor do investimento na forma de maiores salários. O ganho para a sociedade de um novo profissional graduado, cujo conhecimento foi adquirido em universidade, é bem medido pelo ganho de renda desse profissional. Esse fato não é verdadeiro para o ensino fundamental. Há ganhos sociais em escolarizar a população que não são apropriados diretamente pelo estudante. Essa é a natureza pública da transmissão de conhecimento. Educação fundamental é de fato fundamental para que a sociedade funcione bem. O exemplo mais direto é a alfabetização. A comunicação entre as pessoas é muito mais difícil em uma sociedade de analfabetos. A educação fundamental melhora o funcionamento da democracia, aumenta a autonomia do indivíduo e eleva sua capacidade de discernimento. Parte desses benefícios não redundará em aumento direto de salário dos que hoje estudam. Faz todo o sentido, portanto, que a educação básica seja gratuita e não faz sentido que a educação universitária seja gratuita. O ensino universitário deve ser pago. Note que esse fato independe de a instituição de ensino superior ser legalmente pública ou privada.
Para os alunos que não podem financiar as mensalidades da universidade, há o recurso ao crédito educacional. Para as famílias pobres que teriam dificuldade de ter acesso ao crédito educacional de mercado, há programas públicos, como o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil), com taxas fortemente subsidiadas.
Além dos impactos orçamentários positivos, a instituição de cobrança de mensalidade para os cursos universitários públicos teria efeito importante sobre a eficiência das universidades. O tempo médio de graduação seria reduzido e a vinculação do aluno ao curso aumentaria.
Fonte: Folha de São Paulo, 29/6/2014
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