Houve um bom esforço nos últimos anos por mais diversidade étnica e social nas universidades. As salas de aula têm hoje estudantes de cor de pele e origens diferentes —mas cada vez mais homogêneos no pensamento. É hora de se preocupar com a falta de diversidade ideológica.
Pensei nisso ao ler o programa da disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, que a Universidade de Brasília vai ofertar este ano. O mais impressionante nesse caso não é disciplina em si –o curso é optativo, e o professor Luis Felipe Miguel até foi honesto ao revelar sua posição no título da matéria.
O mais grave é a miséria intelectual que o programa revela. Não há ali nenhuma vontade de conhecer, nenhum apreço à divergência. O professor parece não enxergar diferença entre doutrinação e educação. A biografia, panfletária, intercala textos de Emir Sader, da Carta Capital, do “Blog do Sakamoto” e do “Blog da Boitempo”.
Leia mais de Leandro Narloch:
Seria possível privatizar a polícia?
E se o PT fosse sincero?
‘Fake news’ são arma política desde os brioches de Maria Antonieta
Depois da repercussão, o professor disse que ministrará a aula sem “abrir mão do rigor científico ou aderir a qualquer tipo de dogmatismo”. Difícil acreditar.
Na descrição do curso, Miguel fala em “analisar o governo presidido por Michel Temer e investigar o que sua agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades diz sobre a relação entre as desigualdades sociais e o sistema político no Brasil”.
Não seria o caso de discutir se há de fato uma “agenda de retrocesso”? Talvez as reformas tenham sido criadas para extinguir leis que mais atrapalhavam do que ajudavam os trabalhadores. “Desigualdades”? Ora, um dos efeitos da reforma da Previdência seria justamente diminuir a desigualdade causada pela Previdência dos funcionários públicos.
Disciplinas como essa mostram que as universidades correm o risco de virar “think tanks” de esquerda —grupos de puro proselitismo, isolados da sociedade, sem relevância fora do seu círculo.
Professores dos cursos de humanas estão preparando militantes, e não intelectuais. Sociólogos, historiadores e cientistas políticos saem da universidade como mestres em patrulhar e rotular quem não concorda com eles. Integrantes de uma nova ortodoxia, acusam de blasfêmia ou heresia quem pensa diferente. Mal conhecem os argumentos de outras correntes políticas.
Nos Estados Unidos, já tem gente preocupada com a falta de diversidade ideológica. Um grupo de 1700 acadêmicos de diversas linhas de pensamento criou o movimento “Heterodox Academy”, que tenta estimular a “diversidade de pontos de vista, o entendimento mútuo e discordância construtiva”.
“A universidade americana se tornou uma ortodoxia política, quase uma instituição religiosa”, diz o psicólogo Jonathan Haidt, um dos criadores do “Heterodox Academy”. “A ortodoxia política é particularmente perigosa nas ciências sociais, que lidam com muitos assuntos controversos (como raça, racismo, gênero, pobreza e imigração e política). Precisamos de pesquisas inovadoras e confiáveis em todos esses temas, mas será que uma ciência social carente de diversidade de pontos de vista é capaz de produzir descobertas confiáveis?”
Eis uma boa pergunta para se fazer durante curso sobre “o golpe de 2016” na UnB.