Iniciativa busca maior aproximação com moradores das 38 comunidades em que o programa está presente
Depois de cobrar, reiteradas vezes, apoio de outras áreas do poder público à política de segurança do estado, o secretário José Mariano Beltrame tomou uma decisão: agora, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) desempenharão várias ações sociais nas 38 comunidades em que estão presentes, atuando inclusive dentro de escolas. Entre as iniciativas planejadas, está a criação de conselhos nos quais policiais, pais e professores vão acompanhar a frequência de alunos. Buscando maior aproximação com moradores, haverá aulas de diversas modalidades esportivas, e até mesmo os bailes funk, que ficaram proibidos por anos em algumas favelas, serão incentivados. Os detalhes do plano foram obtidos com exclusividade por “O Globo”.
A reformulação do papel da PM na política de pacificação do estado, lançada em 2008, começou a ser discutida no fim do ano passado, depois que conflitos em comunidades com UPPs se tornaram frequentes. O comandante-geral da corporação, coronel Alberto Pinheiro Neto, tomou posse em janeiro e entregou a Beltrame um relatório sobre a situação de cada unidade. Quatro oficiais foram nomeados para, nas palavras do secretário, “colocar o programa novamente nos trilhos’’: os majores Ivan Blaz, que refez o planejamento operacional; Victor de Souza, responsável por um novo programa de treinamento de soldados; Leonardo Nogueira, que preparou técnicas de aproximação; e Marcelo Corbage, encarregado da interlocução com moradores.
Dez comunidades serão escolhidas
No âmbito das ações sociais, o foco principal será a escola. Dois projetos beneficiarão crianças e adolescentes: o Fala Tu, que consistirá na realização de encontros para a discussão de temas relacionados à cidadania; e as UPPs Mirins, que, baseadas nas atividades dos escoteiros, oferecerão aulas de esportes e orientação social. No próximo mês, serão escolhidas as dez primeiras comunidades que receberão essas novas atividades.
A formação dos policiais também ganha destaque na reformulação do projeto das UPPs. Agora, os PMs que trabalharão nas unidades vão estudar a história de cada favela, para ter um conhecimento maior sobre suas características sociais e culturais. De acordo com o Comando de Polícia Pacificadora, isso proporcionará um melhor relacionamento com os moradores.
Traumas causados durante operações também serão abordados. Ao todo, serão 64 horas de aulas teóricas e práticas. Ao fim desse aprendizado, o policial terá que fazer, pela internet, um programa de aperfeiçoamento de 12 meses de duração. Haverá ainda um ciclo permanente de treinamentos, que incluirá cursos de tiro e de pronta resposta em situações de conflito.
— Tivemos de lidar com um aspecto extremamente difícil, que foi o aumento no número de policiais baleados em comunidades em processo de pacificação. Nosso objetivo é zerar essa estatística. Para isso, as UPPs vão se aproximar da população, cabendo ao Comando de Operações Especiais agir em situações graves — diz Ivan Blaz.
Segundo Victor de Souza, dados do Instituto Pereira Passos serão usados nas aulas sobre as características sociais de cada comunidade. Ele destaca que, com a nova metodologia de treinamento, ao chegar a uma UPP, o policial terá uma série de referências que o ajudarão a se ambientar mais rapidamente à região.
— O policial de UPP está sendo preparado para resolver problemas específicos. Saberá, antes de ser direcionado a uma unidade, o que deu certo e o que deu errado ali. Nosso foco é a proximidade com o morador. Pensando nisso, o PM estará treinado para prestar primeiros socorros e mediar conflitos — afirma o major.
Grupo para investigar mortes
Beltrame participou, nesta segunda-feira, da primeira reunião de um grupo de trabalho que está encarregado de investigar mortes de policiais. No encontro, que aconteceu na sede do Departamento de Homicídios da Polícia Civil, na Barra, ficou acertado que assassinatos cometidos por milícias e quadrilhas de traficantes receberão atenção especial dos agentes. No fim de semana, três PMs foram executados: dois na Baixada Fluminense e um na Zona Norte.
— Estamos capacitando o grupo de trabalho, que é formado por agentes das delegacias de Homicídios da capital, da Baixada e de Niterói-São Gonçalo. As três unidades acompanharão cada caso — disse o secretário de Segurança, que justificou a montagem da força-tarefa. — O policial que é atacado tende a reagir porque, se vier a ser identificado, certamente morrerá. É um problema que temos de encarar, e precisamos buscar soluções.
Beltrame e a solidão contra o crime organizado
Desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro de 2007, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, vem afirmando que a polícia do Rio está “sozinha” no combate ao crime. Na última vez em que cobrou maior participação do governo federal, há um mês, ele disse que “a polícia é o único ente do poder público dentro de uma área conflagrada”. Além disso, criticou o modelo orçamentário estabelecido pela Constituição, que impede maior repasse de verbas para a segurança pública dos estados.
— A polícia é sempre a bucha do canhão. Não existe uma polícia como a nossa no mundo. É o policial que põe o peito na frente e encara esse estado de barbárie — disse Beltrame, emocionado, durante o enterro de policial civil Thiago Thomé de Deus, de 29 anos, em Niterói.
Em maio de 2011, em entrevista ao GLOBO, Beltrame afirmou pela primeira vez sentir “temor em relação ao pós-UPP”:
— Nada sobrevive só com segurança. Não será um policial com fuzil na entrada de uma favela que vai segurar se lá dentro das comunidades as coisas não funcionarem. É hora de investimentos sociais.
Fonte: O Globo
No Comment! Be the first one.