O modelo de impulsão do consumo fracassou e precisa ser substituído por outro, desta feita focado no investimento em infraestrutura: transportes, energia elétrica, água e saneamento e telecomunicações. O debate eleitoral, infelizmente, passa ao largo desse tipo de discussão. O leitor pode ver minha visão das causas do esgotamento do modelo pró-consumo em detalhe neste link. Lá, indico que um dos puxadores do modelo cujo crescimento precisa ser urgentemente contido é a grande folha de pagamento de Previdência, assistência social e pessoal no Orçamento da União.
Falo, aqui, dos numerosos pagamentos a pessoas que hoje dominam completamente o Orçamento da União, matéria pouco conhecida do grande público. Em 1987, o que chamo de grande folha consumia 39% do gasto total. Hoje, esse número chega a praticamente 73%, repetindo o porcentual que vigorava em 2002. Se considerarmos o período mais recente dos três governos do Partido dos Trabalhadores, o gasto com a grande folha passa, em porcentagem do PIB, de 11,4% para 13,7% entre 2002 e 2013, sendo esse o grande puxador do forte crescimento do gasto público total.
Pelos dados de hoje, parcela de 27% da despesa total (ou cerca de 37% da grande folha) cresce mais ou menos junto com o salário mínimo (SM), que é ajustado anualmente pela variação do PIB global e acima, portanto, da produtividade média da economia. Não sei se outro país com renda per capita parecida com a nossa destina tanto dinheiro assim para essa finalidade. Por causa disso, espremido do outro lado pelos gastos com saúde, educação, manutenção da máquina, etc., o investimento público não passa de 5,2% do total. Transportes, o setor que mais investe entre os ministérios da União, leva só 0,2% do PIB, ou 1,1% do total. Nos anos 70, a União investia 1,8% do PIB em transportes – nove vezes mais.
O pior é que projeções que fiz com colegas da área fiscal, usando modelos específicos para este fim, mostram que, por causa da regra explosiva do SM e do rápido envelhecimento da população, a folha total – inclusive pessoal – dobraria, em porcentagem do PIB, até 2040, ou seja, passaria a 146% do total (ou 27,4% do PIB), uma óbvia impossibilidade. Assim, se não fizermos reformas rapidamente, a hiperinflação terá de voltar para fazer o trabalho sujo de cortar o valor real dos pagamentos individuais (veja neste link, página 5)
Felizmente, um conjunto de reformas conhecidas, como explicado no estudo acima referido, daria conta de manter inalterado, em porcentagem do PIB, o gasto com Previdência e assistência até 2040, desde que, obviamente, elas fossem aprovadas o quanto antes. O grande drama é a enorme dificuldade política de tal empreitada. Levantei o contingente de beneficiários diretos no ano de 2008, totalizando, grosso modo, 50 milhões de contracheques ou cartões eletrônicos. Se cada família beneficiada tivesse em média duas pessoas, teríamos o envolvimento, no processo, de mais de metade da população (que era de 186 milhões em 2008), muitos dos quais eleitores.
Detalhando esse enorme contingente, em primeiro lugar, foram 40 milhões de benefícios de 1 SM – ou a ele ligados – que foram pagos pelo INSS (16 milhões), pelo Programa do Seguro-Desemprego e Abono Salarial (8 milhões), Benefícios da Lei Orgânica de Assistência Social (4 milhões), e Bolsa Família (12 milhões). Em segundo lugar, 7 milhões de benefícios acima de 1 SM pagos pelo INSS, 1 milhão de inativos e pensionistas da União e, finalmente, 1 milhão de funcionários ativos. Ressalte-se finalmente que, segundo estudos, boa parte dos contemplados não corresponde ao grupamento dos efetivamente mais pobres na população brasileira. Em suma, é uma bomba de grandes proporções que vai explodir lá na frente, se não fizermos nada para evitá-la.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 14/10/2014
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