Organismo que vai fiscalizar meios de comunicação é alinhado com o governo
A declaração de constitucionalidade da Lei de Meios por parte da Corte Suprema de Justiça argentina colocou em estado de alerta jornalistas, donos de meios de comunicação e representantes de associações de defesa da liberdade de expressão, que temem um processo compulsório e arbitrário de adequação do grupo Clarín à lei. O procedimento será comandado pela Autoridade Federal de Serviços Audiovisuais (AFSCA), cujos diretores foram designados pela presidente Cristina Kirchner e estão totalmente alinhados com a posição da Casa Rosada. Apesar das pressões da oposição, o Executivo ainda não permitiu a presença de dirigentes de outros partidos no organismo que controla os meios de comunicação do país e será o encarregado de exigir que o Clarín cumpra a lei.
— Respeitamos a decisão da Corte, mas temos divergências. Não podemos deixar de analisar esta resolução sem observar que ela foi adotada num contexto de permanente deterioração da liberdade de expressão — disse ao “Globo” o uruguaio Claudio Paolillo, presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).
Para ele, “esta decisão habilita o Executivo a avançar em direção de seu principal objetivo, que é destruir o Clarín”. Ontem, as ações do grupo argentino despencaram 33% na Bolsa de Buenos Aires e 26% em Londres.
— Os principais veículos do grupo são os que dão espaço a jornalistas críticos do governo Kirchner, que não teriam outro lugar onde trabalhar — afirmou Paolillo.
O representante da SIP lembrou, ainda, que o mesmo governo que deverá decidir como será a adequação do Clarín à Lei de Meios utiliza “todos os mecanismos ao alcance do Executivo como a AFIP (a Receita local) para pressionar os meios de comunicação e jornalistas que criticam o governo”.
Para o advogado Alvaro Herrero, da Associação pelos Direitos Civis, também vê um grande risco no processo de aplicação da resolução da Corte.
— Temos de observar e garantir que seja uma aplicação igualitária. Uma aplicação arbitrária seria inconstitucional e o Clarín poderia abrir novos processos, por exemplo, se considerar que não foi devidamente indenizado — enfatizou Herrero.
Ainda é uma incógnita os prazos e número de licenças de rádio e TV que o grupo de comunicação deverá vender para cumprir as normas aprovadas em 2009 pelo Congresso argentino.
Ontem, o presidente da Corte, Ricardo Lorenzetti, negou qualquer tipo de acordo com a Casa Rosada para favorecer o governo após a derrota nas Legislativas de domingo passado, como denunciou a deputada opositora Elisa Carrió. Em entrevista à rádio Continental de Buenos Aires, Lorenzetti disse que a resolução da Corte fortalecerá a liberdade de expressão, mas admitiu que poderiam surgir novas disputas entre o Clarín e o Executivo durante o processo de aplicação da lei.
— O próprio Lorenzetti disse que a aplicação da lei é um problema e hoje essa é nossa maior preocupação— afirmou Andrés D´Alessandro, diretor executivo do Foro de Jornalistas Argentinos (FOPEA).
Na opinião do especialista, “existem muitas incertezas, por exemplo, sobre a preservação dos postos de trabalho dos jornalistas do Clarín. A própria resolução da Corte abre a porta para demissões”.
— A resolução da Corte é legítima, mas sua implementação será política e esse é o grande risco que paira sobre nossos meios de comunicação — frisou D`Alessandro.
Quanto a possibilidade do Grupo Clarín entrar com recurso na Corte Interamericana da OEA, Eugenio Zaffaroni, juiz da Corte Suprema, diz que isso “não interrompe de maneira nenhuma a aplicação da lei” e que um processo desses “demora bastante”.
Fonte: O Globo
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