Principal motivo da crise financeira é a alta dos gastos com pessoal; auxílios para pós-graduação serão cortados e atividades, revistas
Apesar de a crise financeira da Universidade de São Paulo (USP) ter vindo à tona no fim do ano passado, a instituição já tem estourado seu orçamento anual desde 2011. O motivo principal foi o aumento dos gastos com pessoal provocado após revisão do plano salarial e de carreira dos servidores, em 2011, e o avanço nas contratações de técnico-administrativos.
Por causa da crise, a pró-reitoria de pós-graduação decidiu suspender “temporariamente” os programas de auxílio financeiro. Em comunicado distribuído anteontem, a pró-reitora Bernadette Franco informou que uma nova política está em avaliação. A medida se refere a atividades como apoio a eventos, viagens de docentes e alunos para o exterior e vinda de professores visitantes. Os bolsistas não serão atingidos, porque são pagos por agências de fomento ou com recursos da pró-reitoria de pesquisa. A suspensão deve ser de no mínimo dois meses. Nesse período, novas contratações e novas obras já foram congeladas.
Já em 2011, os gastos totais da universidade superaram o que a instituição havia recebido do tesouro estadual, vindos dos 5% fixos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) destinados à universidade. No fim de 2012, o comprometimento com a folha já havia alcançado 96% do orçamento e quase todo o custeio e investimento eram pagos com reservas e outras fontes.
A alta de salário dos técnicos foi de 67% entre 2010 e 2013, além do salto de 10% no número desses servidores. Os docentes tiveram reajuste de 26% no período e o número de professores ficou praticamente estável. “O plano de carreira foi um dos principais fatores (que levaram à crise). Outro foi a contratação de 2.600 funcionários nos últimos quatro anos”, disse o reitor Marco Antônio Zago ao Estado. O peso do gasto com salários de técnicos passou a responder por quase metade da folha da USP em 2012.
Redução. A folha de pagamento da universidade consome desde o ano passado 100% do orçamento. A universidade reduziu em 30% os gastos com custeio e investimento em 2014, como o Estado revelou na semana passada.
Segundo fontes consultadas, o novo plano teria sido acordado para evitar novas greves de funcionários. As mudanças foram aprovadas pelo Conselho Universitário (CO) em maio de 2011, meses após uma paralisação de 57 dias. A decisão, porém, não teria levado em conta a possível redução do ritmo dos repasses do ICMS. Em 2014, o aumento das receitas foi de 6,8%, menor salto em pelo menos seis anos. O ex-reitor no período, João Grandino Rodas, não foi encontrado para comentar os dados.
O plano de carreira aprovado proporcionou reajuste do piso e do teto salarial e maior mobilidade na carreira, entre outros pontos de mudança. A maior elevação foi no nível básico: aumento de 26,9%.
Desde 2010 não houve mais greves de funcionários. Diretora do Sindicato dos Servidores da USP (Sintusp), Nelice Wada considerou inaceitável colocar a culpa da crise financeira nos trabalhadores. “O trabalhador tem suas reivindicações, a reitoria concedeu a carreira, que foi aprovada no Conselho Universitário”, disse ela. “A culpa não é também de quem nunca o criticou ou denunciou. Se houvesse maior transparência, poderia ser diferente”, afirmou ela, defendendo que o governo amplie a parcela dos recursos das universidade estaduais.
Desde 1989, as três estaduais (USP, Unicamp e Unesp) têm autonomia financeira, garantida pela cota fixa do ICMS. Especialistas dizem que o momento atual da USP é a pior crise financeira desde a década de 1980, exatamente quando a autonomia foi alcançada. Em dezembro de 2013, o saldo da USP era de R$ 2,5 bilhões. “Autonomia pressupõe responsabilidade no gasto do dinheiro público. É preciso apurar como se deu esse processo”, ressalta a professora da Faculdade de Direito da USP Nina Ranieri, especialista em autonomia universitária.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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