BRASÍLIA — A indicação dos próximos ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) colocou em lados opostos integrantes da base do governo de Jair Bolsonaro. O preenchimento da vaga no TCU tem provocado dura campanha de bastidores, com uma disputa acirrada entre os senadores Antonio Anastasia (PSD-MG), Kátia Abreu (Progressistas-TO) e Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
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A última vez que uma cadeira no TCU não foi decidida por acordo aconteceu em 2008. O confronto escancara o racha da base de sustentação do governo no Senado, que geralmente evita entrar em bola dividida.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), que apoia Kátia Abreu, minimizou o embate. “No passado já houve isso. José Jorge disputou com Leomar Quintanilha. Já tivemos outros casos”, afirmou. Na época, José Jorge, do DEM, venceu a disputa por uma margem apertada (41 a 34) contra o candidato do MDB. O episódio representou uma derrota para o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em comum, os três senadores-candidatos estão em fim de mandato e enfrentam realidades regionais adversas para a reeleição, em 2022. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), marcou para a semana que vem o chamado esforço concentrado, quando a Casa vai votar indicações pendentes de autoridades, entre elas a do TCU.
A sabatina dos indicados para o tribunal é organizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), com votação em plenário, na sequência. As duas etapas devem ocorrer na próxima terça-feira, 14.
Salão verde
A Câmara tem mais prazo e mais margem para que um acordo seja construído, pois a vaga que cabe aos deputados só será aberta no ano que vem. No Salão Verde do Congresso, porém, dois aliados de Bolsonaro já brigam pela cadeira de ministro do TCU. São eles Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) e Soraya Santos (PL-RJ), do partido do presidente Jair Bolsonaro e Valdemar da Costa Neto. A presidente do TCU, Ana Arraes, vai se aposentar em julho de 2022, o que abre caminho para que um deputado a substitua.
O Republicanos é um dos principais interessados no posto e não quer abrir mão de disputar a vaga. Jhonatan está em campanha há meses e tem procurado o apoio de dirigentes dos partidos. A cúpula do Republicanos, ligada à Igreja Universal do Reino de Deus, diz ter acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para que a vaga seja da legenda.
O PL, por sua vez, quer que a deputada Soraya Santos seja a nova ministra. No fim de novembro, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, promoveu um churrasco com correligionários para fechar posição a favor de Soraya. Outros nomes também manifestaram interesse no cargo, mas têm menos chances, como os dos deputados Hugo Leal (PSD-RJ) e Fábio Ramalho (MDB-MG).
Os integrantes do TCU são escolhidos de diferentes formas. Três vagas cabem ao Senado; três à Câmara, uma à Presidência da República, uma ao Ministério Público de Contas e uma aos auditores do tribunal.
O cargo de ministro do TCU é cobiçado por ser vitalício e ter grande influência sobre o mundo político. O tribunal foi responsável, por exemplo, pelo parecer das pedaladas fiscais que sustentaram o pedido de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). Na prática, a Corte de Contas é uma espécie de assessoria contábil do Congresso.
Hoje o Planalto tem pouca interlocução com o TCU. Bolsonaro já tentou mais de uma vez reunir os ministros para fazer uma aproximação, mas isso só resultou em reuniões esvaziadas.
Recentemente, em 4 de novembro, Bolsonaro demonstrou ter expectativa de uma relação diferente com o TCU. “Ouso dizer que esse tribunal participa das decisões governamentais como se fosse um órgão integrado a nós, dada a forma como nos relacionamos”, afirmou ele durante o Fórum Nacional de Controle, organizado pelo TCU. “Aqui deixou de ser, quase que deixou de ser, um órgão que amedrontava, muitas vezes, no passado”, completou.
Trampolim
O diretor da Organização Não-Governamental (ONG) Transparência Brasil, Manoel Galdino, critica a atuação de Bolsonaro sobre o tribunal e aponta aparelhamento. “É ruim, primeiro porque desprestigia a Corte de Contas, transformando-a em trampolim para outros cargos”, observou Galdino. “Em segundo lugar, porque compromete a independência do Tribunal de Contas, já que o preenchimento de quadros passa a ser do controle parcial do governo, e não apenas uma questão da passagem do tempo”, acrescentou ele, ao lembrar das duas aposentadorias antecipadas por ação de Bolsonaro.
Embora a escolha fique com o Senado, a vaga que será definida na próxima semana só foi aberta por ação do Palácio do Planalto. Bolsonaro indicou Raimundo Carreiro para embaixador do Brasil em Portugal e com esse movimento antecipou uma aposentadoria que só ocorreria em 2023.
O discurso oficial é de que o governo ficará distante da disputa. Apesar de Kátia Abreu e Anastasia já terem criticado Bolsonaro, principalmente em relação à sua conduta na pandemia de covid-19, nenhum dos dois é considerado hostil ao Planalto. O outro candidato é Bezerra Coelho, líder do governo no Senado.
Mesmo tendo uma colega de partido concorrendo, o senador governista Luiz Carlos Heinze (Progressistas-RS) é um dos que não decidiram o voto. “Eu não sei ainda. Tem três candidatos. Está meio confuso, não conversamos esse assunto no partido”, afirmou Heinze. O vice-presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), concordou com o colega. “Francamente, é um processo de imprevisibilidade”, disse.
Dos nove ministros do TCU, Bolsonaro só influenciou até agora na escolha de um. Trata-se de Jorge Oliveira, ex-titular da Secretaria-Geral da Presidência. A indicação também envolveu a antecipação da aposentadoria de um ministro. Bolsonaro influenciou José Mucio Monteiro, que era presidente do TCU e só deixaria o tribunal em 2023, a sair da Corte em 2020.
Além de Oliveira, os outros dois nomes simpáticos ao governo são Walton Alencar e Augusto Nardes. Se confirmadas as indicações dos aliados para as vagas do Senado e da Câmara, o presidente tentará virar o jogo, podendo contar com até cinco dos nove ministros da Corte. Ao mesmo tempo, com a saída de Carreiro, a influência do MDB diminui. Restarão Vital do Rêgo e Bruno Dantas ligados à legenda. O PSB, partido de oposição, ficará sem representante com a aposentadoria de Ana Arraes.
A disputa no Senado está polarizada entre Anastasia e Kátia Abreu. Fernando Bezerra corre por fora, com alguns apoios individuais, como o do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Já Anastasia tem o aval de Rodrigo Pacheco, também mineiro.
A articulação pró-Anastasia faz parte do compromisso que Pacheco, à época filiado ao DEM, estabeleceu pelo apoio do PSD à sua candidatura a presidente do Senado, em fevereiro.
Elogios
Apesar de ser visto como independente, Anastasia é muito próximo do deputado Aécio Neves (PSDB-MG), que tem atuado como aliado do Palácio do Planalto em várias ocasiões. O tucano já recebeu elogios do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, por sua atuação no comando da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
Outro interessado na escolha de Anastasia para o TCU é Alexandre Silveira, presidente do PSD de Minas e diretor jurídico do Senado. Homem da confiança de Pacheco, Silveira é suplente de Anastasia e quer concorrer ao Senado no ano que vem. O candidato mineiro conta, ainda, com a adesão de senadores lavajatistas. O líder do Podemos no Senado, Álvaro Dias (PR), é um dos que declaram apoio a ele.
Por influência de Renan, a expectativa é que Kátia conquiste o apoio de grande parte dos senadores do MDB, além de também ter a simpatia das legendas de oposição. Caso a senadora vire ministra do TCU, o PT terá novo representante na Casa, já que o senador Donizeti Nogueira (PT-TO) é suplente dela.
Antes de entrar em embate com Bolsonaro, o presidente do Senado agiu em sintonia com o governo para antecipar a aposentadoria de Carreiro e emplacar Anastasia. Em abril, no entanto, a operação foi interrompida por ação de Renan.
Padrinho de Carreiro, Renan pediu a Katia, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, que não pautasse a indicação do ministro do TCU para a embaixada. Em novembro, Renan e Kátia cederam e pararam de resistir à operação para abrir a vaga no TCU.
A dupla recorreu a outra estratégia e tentou fazer com que a própria senadora fosse escolhida para a cadeira ocupada por Carreiro, ao invés de impedir a sua substituição. Renan preparou, então, o parecer encaminhado à Comissão de Relações Exteriores, que deu aval para a indicação de Carreiro à embaixada do Brasil em Portugal.
Fonte: “Estadão”, 10/12/2021
Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado