O Brasil está entre os maiores produtores de criatividade no mundo. Quando o assunto é economia criativa o país supera a Espanha, Itália e Holanda. É o que revela o “Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil”, estudo realizado pela Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro em 2012, com base nas estatísticas do Ministério do Trabalho e Emprego. De acordo com a pesquisa, em 2011, o núcleo da indústria criativa no Brasil, formado por 243 mil empresas, gerou um PIB de R$ 110 bilhões, equivalente a 2,7% de tudo o que fora produzido no país naquele ano.
Segundo o levantamento, 810 mil profissionais brasileiros — o equivalente a 1,7% do total de trabalhadores do país — integram o mercado formal da indústria criativa. Os segmentos de arquitetura e engenharia, publicidade e design, além de moda, se destacam no país. Entre os estados, São Paulo e Rio de Janeiro se sobressaem.
Se investir em economia criativa pode ser um bom negócio para empregadores, os números mostram que o mesmo vale para os empregados. Enquanto o rendimento mensal médio do trabalhador brasileiro era de R$ 1.733 mil mensais em 2011, o dos profissionais criativos chegou a R$ 4.693, quase três vezes acima do patamar nacional. No Rio de Janeiro, os profissionais têm a maior vencimento.
Em entrevista ao Instituto Millenium, o professor Rodrigo Carvalho, coordenador do núcleo de empreendedorismo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica a origem do conceito e as características deste mercado no qual Reino Unido e Estados Unidos se destacam. Segundo Rodrigo, muitos segmentos da economia criativa têm passado por uma reestruturação. “O que vai diferenciar as empresas no mercado é a singularidade”, diz, acrescentando que, apesar da diversidade entre os setores, um fator os une: a falta de qualificação profissional. Leia a entrevista:
Instituto Millenium: Como e quando surgiu o conceito de economia criativa? Ainda é um conceito em formação?
Rodrigo Carvalho: Não, já está bastante consolidado. É um conceito que surge em resposta ao processo de reestruturação produtiva da economia, que trouxe nos anos 1970 uma mudança significativa da organização econômica, principalmente nos grandes centros urbanos. Nos países desenvolvidos, basicamente, as indústrias e as atividades produtivas migraram para espaços periféricos, como China e outros países da Ásia. As cidades, então, entraram em declínio, em um processo de degradação urbana, com avanço da violência. Talvez os maiores símbolos desse período sejam Nova Iorque e Londres.
O poder público, então, associado à academia, tentou entender quais seriam os novos motores para o desenvolvimento econômico dessas cidades. Entenderam que, ao contrário do que estava acontecendo com as atividades produtivas industriais, tinham setores centrados em uma economia de serviço, que ainda residiam e se aglomeravam nesses grandes centros. Sobretudo nos anos 1980 e início dos anos 1990, tais setores da economia tinham como elemento comum modelos de negócio que exploravam recursos oriundos da área da cultura — sejam da linguagem, da estética. Era uma discussão ainda muito inicial e chamavam isso de economia da cultura. Até que a Austrália, no início dos anos 90, criou um planejamento estratégico para o seu desenvolvimento econômico, jogando luz sobre as indústrias criativas, que eram setores ligados à arte, cultura e ao entretenimento, como a moda, o cinema, as artes plásticas, o setor editorial etc.
Imil: Quais países se destacam neste cenário?
Rodrigo: O conceito surge na Austrália, mas ganha o mundo quando o Reino Unido, já no final dos anos 90, assume de vez que não havia mais como criar políticas de desenvolvimento econômico para os grandes centros que sugerisse um resgate das indústrias perdidas. Eles acreditaram que essas indústrias criativas seriam o motor do desenvolvimento da economia britânica. Eles criam, então, um departamento, como se fosse um ministério, dando destaque às atividades econômicas com um modelo de negócio em comum, que exploravam comercialmente campos simbólicos e estéticos da cultura — um livro, um filme, um espetáculo, uma música…
Esse conceito tomou uma proporção bem grande e chegou ao Brasil no início dos anos 2000, quando se inicia aqui no Rio de Janeiro. Embora a Austrália tenha sido a pioneira, quem se destaca de forma forte, inclusive com políticas de estado, é o Reino Unido. Mas também merecem destaque os Estados Unidos. E, de maneira geral, todos os países passaram a olhar para os setores da economia criativa com outro olhar. Não apenas pelo lado da cultura, mas também como atividades capazes de impulsionar a economia de grandes cidades.
Imil: No Brasil, a economia criativa se destaca mais no Rio?
Rodrigo: O primeiro estudo sobre economia criativa no Brasil foi feito no Rio, pela Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro). Outro exemplo é que o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), no Rio de Janeiro, foi pioneiro na criação de uma gerência dedicada à economia criativa. Também foram criadas secretarias de estado nesta área. Além disso, o Rio tem algumas das principais aglomerações produtivas desses setores, como cinema, TV, teatro. O mais interessante da economia criativa é que todo lugar tem uma cultura, sua formação histórica, algo que é singular, que pode ser mobilizado para várias atividades econômicas. Interessante notar como, por exemplo, Paraty entrou em uma rota no mínimo interessante, vive só de economia criativa, com turismo e eventos que ocorrem o ano todo.
Imil: Quais experiências podem ser boas para o Brasil?
Rodrigo: Tem algumas coisas interessantes na Austrália, na Nova Zelândia, na Espanha. Aliás, o que está salvando a Espanha [da crise de 2008] é a economia criativa. Lá, o turismo é muito associado aos seus artistas, algo que no Rio, particularmente, poderia ser mais explorado.
Imil: Qual é a sua avaliação sobre este desempenho da economia criativa? O que falta para avançar mais?
Rodrigo: Falta muita coisa. São setores com realidades muito distintas não dá para uniformizar tudo. Não dá para usar a mesma política para todos. Mas, de uma maneira geral, há necessidade de qualificação profissional. É preciso entender que se trata de um negócio e, como tal, tem especificidades. Faltam pessoas qualificadas para a gestão de negócios, por exemplo. Muitos setores estão passando por uma reestruturação de modelos de negócio. Setores, por exemplo, que estão sendo impactados pelo processo de convergência de mídias — como cinema, TV, games, o mercado editorial e o setor fonográfico, que foi atingido pelo processo digital há mais tempo e só agora está se recuperando. Isso muda muito a organização dos setores e os profissionais e as organizações têm que se capacitar e se ajustar o mais rápido possível às transformações. É preciso entender que a competição está mudando e tanto os profissionais quanto as organizações precisam passar por um processo de aprendizagem e reciclagem.
Imil: Que mudanças esse conceito provoca na economia e em outros setores da sociedade, a partir do momento que temos que valorar ideias e não exatamente produtos?
Rodrigo: Você se refere aos artigos intangíveis. Em maior ou menor medida, essa questão atinge todos os setores da economia. Por mais que alguns tenham predominância do capital físico, tangível, como máquinas e tal, dada a hipercompetição do mundo atual, o que vai diferenciar as empresas no mercado é a singularidade. Ou seja, o fato de ter modelos de negócio baseados em recursos e capacitação especifica da empresa, difíceis do concorrente imitar. Algo que não seja uma tecnologia disponível no mercado, mas de posse da própria empresa.
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