Passado o primeiro trimestre do ano derradeiro do octênio governamental do ex-presidente Luiz Inácio, alguns frutos da intemperança do último ano começam a aparecer. As festas da posse passaram como também o bem-estar trazido pela visita do presidente Obama e, igualmente, a passagem por Coimbra e sua insígnia, ainda que sombreada pela morte de José Alencar, que tamanha consternação causou especialmente pela bravura como arrostou a doença implacável; de outro lado, a inflação ergue o colo a ignorar as meias medidas adotadas. O fato é que a senhora presidente congelou mais de R$ 50 bilhões do orçamento, a dizer que não era orçamento, mas um ornamento de insinceridade. O fato de o ministro da Fazenda sob cujo império ele foi sancionado e publicado ser o mesmo ministro que o falquejou, previamente, antes de ser executado, é uma continuidade que nada explica, antes desexplica muita coisa. Em tudo e por tudo é um enigma do qual não tenho a chave.
Mas outras coisas estranhas vêm acontecendo aqui e alhures. Veja-se o que acaba de suceder. O governo resolveu afastar da Cia. Vale do Rio Doce o presidente da empresa, embora nada articulasse contra sua gestão. Até se diz que teria sido exitosa. Mas o mesmo ministro da Fazenda, sem rebuços, disse ao maior acionista da companhia se impunha a substituição do presidente. Ocorre que a Vale é uma sociedade de direito privado, cuja administração compete à maioria de seus sócios e na medida de suas ações. Saliente-se que a pessoa jurídica em nome da qual falava o ministro representava apenas 5,5% do capital social. Era a minoria da minoria. E o representante do Bradesco dizia o óbvio ao declarar que a diretoria da sociedade deveria expressar a maioria do capital. No entanto, não passaram muitos sóis e o presidente Agnelli, depois de anos, foi sumariamente defenestrado. Saliente-se ainda que o representante do Bradesco, “um dos maiores sócios da empresa”, foi ainda cientificado de que o lugar da diretora de recursos humanos da Vale seria requisitado pelo governo.
Ora, se a moda pega, se o governo não possui uma centena de ações do Bradesco pode adquiri-la em meia hora e embora com esse pálido patrimônio acionário nada o impediria de notificar o banco, aliás, um dos maiores, exigindo o lugar do seu presidente. Ora, isto não ocorreu nem nos tempos ominosos do AI-5, nem antes, nem depois dele. O que mais espanta é que o ocorrido com a Vale não provocou um sinal de resistência, surpresa, revolta ou outra coisa, seja dos acionistas da Vale, seja das entidades do comércio e indústria, instituições docentes, ou ditas representantes da opinião pública, de valores jurídicos, culturais, históricos, nacionais, como se a nação estivesse cloroformizada ou drogada, e tudo o que existira houvesse se cadaverizado.
O grave é que, depois do que ocorreu com a “Vale”, tudo pode acontecer em relação a qualquer empresa. No meu canto, não cesso de perguntar-me se ainda vigora o princípio constitucional da legalidade. Faz mais de século, Rui Barbosa, escreveu estes conceitos que ainda não perderam a atualidade, “uma vez desencadeada, a soberania da conveniência política não conhece limites; rota a cadeia de garantias, não há uma só que se não perca”.
Fonte: Zero Hora, 11/04/2011
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