Há 22 anos, nos estertores do governo Sarney, fazia espetacular sucesso a novela Vale Tudo, de Gilberto Braga, que expressava os sentimentos mais profundos do País naquele momento, com a inflação desenfreada, a fraude do Plano Cruzado, a moratória humilhante, o desastre administrativo, a corrupção generalizada e impune. Maria de Fátima e Odete Roitman eram odiadas como símbolos nacionais da arrogância, da mentira, do cinismo e da maldade.
Reprisada no canal Viva, a novela repetiu o sucesso. As vilanias, as covardias, os roubos, os deboches – e a impunidade – continuam atuais. A diferença é que a festa pobre que Cazuza cantava na abertura de Vale Tudo agora é rica, nouveau riche, deslumbrada, movida a jatinhos e resorts, com empresários e sindicalistas se confraternizando alegremente, julgadores e julgados dividindo mesas e viagens, controladores e controlados sem qualquer controle.
Os políticos são os mesmos, só mudam de nome e de partido, mas agora são botoxados e trocaram o acaju dos cabelos pelo negro graúna. Os empresários só mudaram de cara e de ramo, agora são todos progressistas, preocupados com a comunidade e a sustentabilidade, e o seu objetivo principal é gerar empregos e impedir que os estrangeiros invadam nosso mercado ( rs ).
Diante da fúria e revolta que me despertam a ladroeira e o cinismo dessa gentalha, faço um exame de consciência: será que, depois de 22 anos como um liberal radical e independente, fui dominado pela ira indignada e regredi a um moralismo pequeno-burguês udenista?
O engraçado é que na época de Vale Tudo, quando era oposição e o seu denuncismo implacável revelava falcatruas e maracutaias, o PT foi apelidado de “UDN de macacão”. Bons tempos, bom humor. Hoje a palavra de ordem é defender o companheiro a qualquer custo, e depois levá-lo num canto e dizer que ele estava errado.
A surpresa é ver o governo Dilma patinando na administração, logo onde se esperava dinamismo e eficiência, mas se mostrando muito mais comprometido com a ética e o combate à corrupção do que o anterior. Não é que seja tão difícil assim, mas já é um avanço.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 08/07/0211
O posicionamento da Dilma é uma angustiante dúvida.
Dois cenários provaveis:
– Ou ela nada mais é do que a sucessão do que o seu antecessor e criador era (lembram do sapo barbudo?) .
– Ou ela quer , mesmo, se livrar da corja, o que não é nada facil.
O tempo o dirá, pois os clásicos 100 dias não foram suficientes, para tanto.