Em um extenso artigo de 1982, publicado na revista Simposium, o ex-ministro Mário Henrique Simonsen declarou que era praticamente impossível combater a inflação sem efeitos colaterais temporários sobre o produto ou sobre o emprego. Era uma quase “vingança” contra o então ministro Delfim Neto, que havia prometido a terra dos sonhos anos antes, sem os dissabores da recessão, para lidar com a inflação e com o déficit em conta corrente. Como se sabe, Delfim foi obrigado a operar ajuste recessivo, na esteira do aumento de juros norte-americanos, levando a economia brasileira à “estagflação”. Estagnação do crescimento com inflação.
Conto o caso para tornar um pouco menos dolorosa a análise da conjuntura econômica atual. Por mais que os personagens mudem, o enredo me parece o mesmo, afinal. Tanto lá quanto cá, há ainda o embate, cada vez menos agradável, entre economistas de orientação heterodoxa e outros, de linhagem ortodoxa. Em particular, sobre o dilema entre inflação e desemprego, a presidente mostrou recentemente de que lado está. Para Dilma Rousseff, inflação de 3% só é compatível, afinal, com desemprego em 12%. À primeira vista, desse modo, dirá o leitor, Dilma e Simonsen estariam no mesmo lado. Tanto este quanto aquela, afinal, vislumbram a tortura do desemprego para programas de desinflação da economia. É o caso?
Precisamente não. É notavelmente conhecida a orientação teórica do ex-ministro Simonsen, bem como a da brilhante ex-aluna de Maria Conceição Tavares, a atual presidente. Ao citar os efeitos sobre produto e emprego de um programa de desinflação, Simonsen faz questão de salientar o adjetivo temporário. É o custo por ter empreendido anos antes política econômica, fiscal e monetária, expansionista. Era verdade no longínquo 1982, é verdade em 2014.
Sabe-se hoje que inflação se controla com política monetária transparente, capaz de influenciar as expectativas dos agentes econômicos. O dilema entre inflação e desemprego existe apenas no curto prazo, dada a rigidez de preços, provocada por imperfeições de mercado. Fossem os preços integralmente flexíveis, não haveria ajuste via quantidade, sem impacto sobre os bens e serviços produzidos em determinado período.
O papel das expectativas em programas de desinflação foi esmiuçado pela literatura nos últimos vinte anos. A condução da política monetária hoje é, afinal, toda ela voltada para ancorar as expectativas dos agentes. Em palavras outras, se os agentes não acreditam na autoridade monetária, os custos de desinflacionar a economia, em termos de produto e emprego, são perversamente maiores. É o que Simonsen já dizia em 1982!
Salienta-se, nesse aspecto, que apesar do avanço da teoria econômica, em particular da teoria de política monetária, há ainda vendedores de sonhos espalhados por ai. Os que prometem usar a política econômica expansionista para gerar crescimento e, portanto, menor desemprego. Tudo o mais constante, só o que se colhe com esse procedimento é inflação resistente. Tanto em 1982 quanto hoje.
Não existe, em assim sendo, dilema permanente entre inflação e desemprego. Logo, é perfeitamente possível ter uma meta de inflação de 3% com desemprego baixo. Para implementar esse “equilíbrio econômico”, entretanto, necessita-se retirar os obstáculos que engessam a expansão da oferta agregada. E esses não se vão com estímulos monetários, fiscais ou parafiscais: é preciso implementar reformas estruturais. Conseguiremos com a padaria de ilusões vinte quatro horas aberta? Guardo meu ceticismo.
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