I
O governo venezuelano resolveu apagar progressivamente o direito de toda pessoa a buscar, receber e difundir informação, sem lhe importar a garantia individual, de caráter universal, da liberdade de acesso a todas as formas de expressão do pensamento. Ignora que é um direito erga omnes, o que equivale a proibição de revogar a liberdade de expressão e aceitar somente as limitações permitidas pelos tratados internacionais; que é aplicável não só a informação, ou ideias que sejam favoravelmente recebidas ou percebidas como um assunto indiferente, se não também a aquelas que ofendem, desagradam ou perturbam o Estado ou qualquer setor da população. Essas são as exigências de pluralismo, tolerância e amplitude de critério sem as quais não há sociedade democrática.
Chávez rejeita qualquer supervisão crítica a sua política com o pretexto de que isso atenta contra a soberania. Em várias decisões a Sala Constitucional ignorou a competência da Corte Interamericana de Diretos Humanos. E ainda exortou o governo a denunciar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Assim, o direito individual, que compreende, além da possibilidade de expressar o próprio pensamento, o direito de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda índole, divide-se em dois direitos distintos. Aparenta-se que se permite o primeiro e anula-se o direito a ser informado.
A conseqüência é clara. Os venezuelanos vêem com angústia e preocupação como se vai extinguindo a possibilidade de expressar o pensamento por carecer cada vez mais de informação que permita formar um critério sobre qualquer matéria que o Estado considere necessário limitar ou proibir.
É o governo quem determina o que é e como o direito a liberdade de expressão deve ser “protegido”; o mesmo governo que diz que as notícias veiculadas nos meios de comunicação privados são menos corretas e têm origem duvidosa, colocando-os em uma posição de desvalorização diante de qualquer informação proveniente de um meio de comunicação “público”.
O tema da erosão oficial da liberdade de expressão tem sido paulatino e constante. Recordemos como o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela ditou uma das sentenças mais aberrantes nesta matéria e estabeleceu, desde 2001, que as empresas de comunicação privadas são empresas mercantis que escolhem a dedo seus colaboradores e jornalistas, publicam editoriais, artigos e notícias que se inserem mais nos cânones publicitários que no exercício da liberdade de expressão. Mais que expressar ideias, o que buscam é vender bens e serviços de maneira interessada; e, por isso, não é raro que as opiniões que publiquem estejam destinadas a dar publicidade a um personagem, sendo parte de uma trama.
Um simples observador pode constatar como se modificaram os parâmetros da censura, pois o condicionamento prévio a informação está marcado por sua adequação ao projeto revolucionário que se impõe ao país. De maneira que os meios de comunicação privados geram somente informação errônea, já que se apartam do critério interpretativo de fatos ocorridos ou de informação que não pode ser submetida à prova pelo projeto político socialista marxista que lidera o presidente Chávez e que tutela o governo de Cuba.
II
O debate e a troca de ideias como método para determinar a verdade está proscrito. Da mesma maneira são impostas sanções por informar sobre um tema que na posteridade, e graças ao debate livre, poderia ser determinado como incorreto. Tudo isso conduz a autocensura em alguns informantes, para se evitar possíveis sanções e prejuízo aos cidadãos que não podem beneficiar-se da verdade, produto do intercâmbio de ideias.
O certo é que longe está a premissa de que unicamente a informação que demonstre ser errônea e produzida com real malícia poderá ser sancionada e sempre produto de uma decisão judicial posterior. Na Venezuela o Governo decide fechar um canal de TV para que deixe de informar sobre aquilo que possa causar estragos políticos ou eleitorais.
Os meios de comunicação não oficiais estão submetidos a perseguições e julgamentos, há prisão preventiva enquanto duram processos contra jornalistas e se ataca sem piedade os meios privados, criando um verdadeiro terrorismo. É freqüente ouvir o presidente da República criticar duramente emissoras de TV e jornais, insultar seus proprietários e ameaçá-los por considerar que nesses meios se propaga o desprezo público a pessoas e instituições com editoriais e notícias que buscam desinformar e criar o caos. Essa conduta é seguida por ministros, funcionários públicos e pelos seguidores de Chávez, criando mecanismos de censura que incluem a abertura de procedimentos penais. A realidade é que quem comete um grave ato ilícito é o governo, que não permite invocar o direito da sociedade estar verdadeiramente informada para assim fundamentar um regime de censura prévia destinado a eliminar informações que seriam falsas a critério do censor.
A informação “verídica” é a que se produz no governo ou a que é repetida em alguns meios. Os venezuelanos têm consciência de que se não estão informados não são plenamente livres. A democracia se fundamenta no exercício de opções. Aqui surge a dupla dimensão da liberdade de expressão: a individual e a social. Portanto, ao se determinar o alcance da liberdade de expressão, independentemente de que seja adversa ou favoreça o governo, arbitrariamente se menospreza ou se impede o direito que toda pessoa tem de manifestar seu próprio pensamento e, coletivamente, o direito de receber qualquer informação e conhecer a expressão do pensamento alheio. O governo venezuelano se nega a aceitar que expressão e difusão do pensamento são indivisíveis.
O conceito de ordem pública exige, dentro de uma sociedade democrática, que se garanta a maior possibilidade de circulação de notícias, ideias e opiniões, assim como o mais amplo acesso a informação por parte da sociedade em seu conjunto. Para o cidadão comum tem tanta importância o conhecimento da opinião alheia ou da informação que dispõe os outros, como o direito de difundir o seu próprio ponto de vista.
Ao desaparecer o Estado de Direito na Venezuela, o governo, com o auxílio dos Tribunais de Justiça, apagou da lista de garantias o direito de cada cidadão de ter acesso a todo o tipo de informação. Cada vez é mais evidente como se trata de fazer a população crer que os meios privados deturpam a informação com objetivos desestabilizadores e/ou em busca de benefícios econômicos em prejuízo dos cidadãos, que, conseqüentemente, devem ser protegidos de tal situação. A censura não aparece como tema nas pesquisas sobre os problemas que afligem os venezuelanos – é um tema tabu –, mas mostra a perda de popularidade de um regime totalitário. Em síntese podemos afirmar que a opinião pública é manipulada pelo governo e pela sua propaganda oficial e que pouco ou nada lhe preocupa o que pensa e sente a grande maioria dos venezuelanos.
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