Todos os anos acontece na primavera do Hemisfério Norte (neste será em abril, dia 12) um mega evento do FMI e Banco Mundial (Spring Meeting) reunindo a elite da comunidade financeira internacional. São discutidos diversos temas da atualidade, como os rumos da economia global, os principais obstáculos, o desempenho diferenciado entre países avançados e emergentes, dentre outros, numa ampla agenda de debates. Não querendo nos antecipar ao que será debatido, façamos algumas considerações sobre como pensamos a economia global neste momento. Em ordem, comentemos sobre os EUA, Zona do Euro e, por fim, a China, três dos principais atores da cena global da atualidade.
Sobre a economia global– Passa por um lento processo de consolidação, tentando escapar da “armadilha do baixo crescimento e da deflação”. Nos EUA o desafio é desmontar os estímulos monetários e aumentar o crescimento e o emprego sem rupturas ou solavancos, “normalizando” as políticas econômicas, com destaque para a monetária (estudos indicam que a taxa de juros considerada neutra nos EUA estaria em torno de 4% anuais, com variantes sobre os prazos dos títulos). Na Zona do Euro, o desafio é gerenciar a economia de forma a estimular a demanda e os preços, em queda atualmente, no mesmo drama vivido no passado recente pelo Japão. Este, no entanto, parece melhor encaminhado, em função da adoção do Abenomics, um agressivo programa de estímulos monetários.
Neste ano e no próximo, a retomada da economia global deve vir sob a liderança dos países avançados, com especial destaque para os EUA, impulsionados pela demanda interna. O mundo deve crescer entre 2,9% e 3,2% e os EUA entre 2,8% e 3,0%. Lembremos que, em termos anualizados, no quarto trimestre o crescimento norte-americano foi de 2,6%. A Zona do Euro, saindo da crise, tenta retomar o crescimento, prevendo-se algo entre 0,8% e 1,2%. O Japão deve crescer mais, em torno de 1,8%, mas preocupa a forte carga fiscal do país, com recentes elevações de impostos sobre o consumo.
Já os emergentes devem continuar “rateando”, dado o forte endividamento e a dependência da China. Sobre isto, um estudo do FMI colocou o Brasil entre as economias mais fechadas do mundo, em 67º lugar num universo de 75 países, e o mais dependente em relação às exportações para a China. De fato, com a nossa pauta muito concentrada em bens básicos e commodities, grande parte das nossas vendas externas de minério de ferro e soja acaba indo para a China.
Dúvidas, no entanto, surgem sobre como deve se comportar a economia global a partir de 2016. O ritmo de crescimento deve melhorar na margem, se mantendo entre 3,4% e 3,6%, com suaves melhorias, dependendo do desenrolar da China, EUA, Zona do Euro e Japão. No caso dos EUA, a maior preocupação se desloca neste período para o fim do desmonte dos estímulos e o início do ciclo de elevação do juro em algum momento em 2015, gerando uma realocação de capitais do globo, com especial impacto nos emergentes.
O FMI se mostra mais cauteloso. Para ele, o crescimento global deve ser modesto, em torno de 2,9% neste ano, mas cheio de obstáculos, com destaque para três: (1) endividamento excessivo dos governos e empresas nos emergentes, aumentando a volatilidade destes; (2) risco crescente de deflação na Zona do Euro, o que deve demandar políticas monetárias mais frouxas na região; e (3) aumento das tensões geopolíticas, gerando mudanças nos fluxos de capitais ao redor do mundo.
Sobre este último, chama atenção o aumento do influxo de recursos para os emergentes, na virada de fevereiro para março, impulsionado por um movimento de fuga de capitais da Rússia, com a tensão na Ucrânia e, por tabela, os países do G-8. Somado a isto, Janet Yellen, em discurso no Congresso, sinalizou que o processo de desmonte (tapering) ainda deve continuar por mais algum tempo e, por fim, a China deve adotar estímulos para manter o crescimento.
Segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF em inglês), 30 países, dentre os emergentes, receberam um fluxo de US$ 5 bilhões em janeiro, US$ 25 bilhões em fevereiro e US$ 39 bilhões no mês passado. Em resposta a isto, no mercado de moedas o real se valorizou 3,9% em março, com a rúpia da Indonésia se apreciando 7% e a indiana 3,2%. Importante salientar, no caso do Brasil, que boa parte deste ingresso veio sustentado pelo carry trade, na qual os fundos globais tomam recursos nos mercados da Europa e dos EUA, a juros próximos a zero, e compram títulos públicos no Brasil, mais atrativos e em tendência de alta nos rendimentos. Isto pode ser visto pelo saldo cambial de março, que chegou a US$ 2,73 bilhões, com grande impulso do financeiro, registrando US$ 3,66 bilhões. Em janeiro este ingresso líquido ficou em US$ 19 milhões e no mês seguinte em US$ 272 milhões.
Sobre a economia norte-americana– Moderação na retomada do crescimento (2,6% no 4º tri13), com a inflação ainda baixa (1,1% em 12 meses) e o desemprego a 6,7% da PEA em março.
A estratégia da política monetária, sob liderança de Janet Yellen, ainda busca uma definição mais clara. A impressão que se tem é que Yellen ainda está tentando achar o tom certo nos seus discursos. Dois recentes alimentaram isto. Num primeiro, Yellen veio com um discurso transparente e indicativo, anunciando que o ajuste de juros poderia ocorrer ao longo do primeiro semestre de 2015, seis meses depois do fim da política de retirada de estímulos. No segundo, por outro lado, demonstrou mais cautela, dizendo que “os estímulos ainda devem ser mantidos por mais algum tempo”.
Yellen acha que os EUA ainda operam abaixo do potencial, mantendo a inflação baixa (1,1% em fevereiro, em termos anualizados), permitindo que a taxa de juros seja mantida abaixo do equilíbrio, assim como a oferta de emprego ainda insuficiente (ou não sustentável). Na semana passada saiu o payroll, mostrando uma expansão de 190 mil vagas, próxima ao previsto, com a taxa de desemprego a 6,7% da PEA, acima da considerada taxa máxima de emprego, entre 5,2% e 5,6%.
A fraqueza do mercado de trabalho (ou sua lenta recuperação), aliás, é um dos enigmas da economia norte-americana. Alguns fatores ajudam a explicar isto: (1) existência de sete milhões de trabalhadores em tempo parcial, ansiosos por se tornarem trabalhadores integrais; (2) empresas demitindo menos, mas contratando menos; (3) salários crescendo vagarosamente, com o desemprego não recuando no ritmo desejável. Em outubro de 2008, fase crítica da crise, chegou a 10% da PEA e em março estava em 6,7%; (4) pessoas a mais de seis meses fora do mercado, no chamado “desemprego de longa duração”. Receio é de que estas não retornem ao mercado de trabalho; e (5) recuo da taxa de participação do trabalho (pessoas com idade ativa que trabalham ou buscam emprego) no mesmo nível de 1978 (63%), quando começaram a ingressar mulheres no mercado. Isto pode indicar que as pessoas estão desistindo de procurar emprego ou, por questões estruturais, estão envelhecendo, se aposentando de forma não voluntária mais cedo.
O problema é que enquanto a oferta de emprego não retomar o ritmo dos anos 2000, antes da crise, a renda não é impulsionada, mantendo o consumo meio “de lado” e a inflação baixa.
Sobre a economia da Zona do Euro– Ritmo de retomada ainda é errático. Na reunião do BCE da semana passada, Mario Draghi afirmou que deve recorrer a “estímulos monetários não convencionais” para impulsionar a economia da região. A preocupação aqui é com a deflação. Como os países da Zona do Euro realizaram um forte ajuste pelo lado do corte de salários e custos, e não pela depreciação, pelo fato do euro ser moeda única, acabou impactando na inflação, derrubando-a ainda mais.
A existência da deflação acaba sendo perigosa, por impactar na gestão fiscal, visto que as receitas precisam ser corrigidas, assim como pela atividade econômica, com as pessoas adiando as compras na expectativa de preços ainda mais baixos, e aos credores, pelos juros acabarem negativos. Em resposta, o BCE pensa em continuar a injetar moeda nos bancos, que comprariam títulos dos países mais endividados da região.
Expectativas são de que o ritmo da economia da Zona do Euro deve ser moderado. A inflação de março cresceu menos, 0,5% em termos anualizados (era 0,8% em janeiro), reforçando este receio de deflação. Já o crescimento do PIB, abaixo do potencial em 2014, é esperado entre 0,8% e 1,2%.
Sobre a economia chinesa– Expectativas indicam um crescimento mais próximo ao piso, em 7% neste ano. Pode chegar a 7,5%, desde que novos estímulos sejam adotados (saiu um minipacote de estímulos fiscais na semana passada, com isenções fiscais para pequenas empresas, o que pode ser um alento). Isto acontece em função da transição do modelo de crescimento, não mais focado em exportações e investimentos, mas agora em consumo.
Sendo assim, teríamos uma expansão mais sustentável no curto prazo, mas com taxas de crescimento mais baixas. Somado a isto, o elevado grau de endividamento da economia chinesa, principalmente no setor corporativo, e o perfil da dívida de curto prazo preocupam. Pesquisas recentes indicam que o índice de crédito ruim do sistema bancário chinês passou de 0,95% a 1,0%, mas pode ser cinco vezes maior. Para completar, o crédito podre na mão dos cinco maiores bancos da China aumentou 127% entre 2012 e 2013, potencializando este problema de crédito na economia chinesa.
Comentários finais– Conclui-se então que a economia mundial deve crescer de forma lenta e errática neste ano e no próximo, com uma série de “elefantes na sala”. Destes, destacamos a deflação na Zona do Euro, o desemprego nos EUA, o risco de crédito na China, além do alto endividamento entre os emergentes. Salientemos também fatores geopolíticos, como a tensão entre Rússia e Ucrânia.
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