À medida que a imprensa descobre novas informações sobre a tragédia de Brumadinho, ficam a cada dia mais frágeis as explicações da Vale para tentar se esquivar da responsabilidade pela ruptura da barragem e pelas mortes, que deverão passar de 300 ao fim do resgate dos corpos.
O presidente da empresa, Fabio Schvartsman, se saiu ontem com uma frase que na certa entrará para o extenso colar de pérolas com que o Brasil costuma adornar suas tragédias. Eis o que disse sobre o rompimento da barragem:
– Em geral, isso vem com algum aviso. Aqui aconteceu um fato que não é muito usual. Houve um rompimento muito rápido. A sirene foi engolfada pela queda da barragem antes que ela pudesse tocar.
Depreende-se, da lógica de Schvartsman, que o “usual” seria um rompimento lento, com aviso. Só assim o sistema de alarme funcionaria? Ele não foi planejado para lidar com uma emergência real, apenas com as lentas, as que vêm com “aviso”? Se houvesse o tal “aviso” antes do rompimento, para que então seria necessária a sirene?
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“Usual”, aparentemente, só a negligência com o risco. O plano de emergência enviado pela Vale às autoridades previa tudo o que aconteceu: a destruição da sede, do restaurante, a disseminação da lama e a contagem absurda de mortos em caso de acidente. Por que as medidas de prevenção foram insuficientes?
Mistérios continuam a cercar a tragédia. Por que Brumadinho era classificada como barragem de baixo risco de ruptura pelos critérios legais, usados pela Agência Nacional de Mineração (ANM)? De modo mais geral, por que nenhuma barragem da Vale era classificada na categoria de alto risco de ruptura?
De acordo com os dados mais recentes, divulgados ontem, a ANM registra 133 barragens pertencentes à Vale. Dessas, 84 foram classificadas na categoria de baixo risco de ruptura, apenas uma na categoria de risco médio (na Bahia) e as demais 48 não foram classificadas (leia mais nesta reportagem).
A avaliação de risco é feita, segundo a norma legal adotada em 2012, com base em três variáveis: características técnicas (altura, comprimento e vazão), estado de conservação (confiabilidade da estrutura, existência de vazamentos, deformações ou deterioração) e o cumprimento do plano de segurança para a barragem. Se a soma obtida nos diferentes critérios for inferior a 35, a barragem é tida como de baixo risco.
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Para barragens de acúmulo de água, os critérios são mais rígidos. A lei exige ainda avaliação do material de construção, do tipo de fundação e da idade da barragem, além de avaliação mais detalhada nas estruturas de entrada e saída de água e da existência de eclusa.
A tragédia demonstrou que os critérios são falhos. Ao contrário do que acontece nas barragens de acúmulo, a técnica de construção, embora seja levantada na fiscalização, não entra no cálculo da classificação de risco de ruptura das barragens de rejeitos minerais.
Das barragens da Vale, 9 usam a técnica mais arriscada e menos segura de Brumadinho, conhecida como “alteamento à montante”. Logo depois da tragédia, a Vale informou que desativará todas (no jargão técnico, serão “descomissionadas”). A própria barragem de Brumadinho estava, segundo a empresa, em “processo de descomissionamento”.
De nada adianta o país dispor de um arcabouço legal e de fiscalização tecnicamente sólido, se ele não consegue evitar as tragédias. A catástrofe de Mariana mostrou, em 2015, que havia algo de errado na forma como o país lida com as barragens de rejeitos de mineração. A tragédia de Brumadinho prova que continua a haver.
Fonte: “G1”, 01/02/2019