Um dos argumentos defendido pelo governo Dilma é o de que a crise doméstica atual, com a economia em “recessão técnica”, inflação no teto da meta e vários fundamentos em deterioração, é resultante do cenário externo convalescente desde a “crise de 2008”. Ou seja, é versão “oficial” que a crise doméstica não é fruto de desastradas políticas econômicas, mas sim dos efeitos da distante crise iniciada em 2008. Nada mais cômodo ou enganoso.
Numa análise mais rigorosa, observa-se que a economia mundial cresce mais pelo lado dos países desenvolvidos, enquanto que os emergentes perdem tração. Nos últimos anos, os primeiros até fizeram alguns ajustes necessários, enquanto que os segundos, muito dependentes da demanda chinesa, se perderam no meio do caminho.
Dentre os desenvolvidos, destaque para os EUA. Nos últimos anos voltaram a crescer, registrando no segundo trimestre deste ano, em termos anualizados, 4,2% depois do recuar 2,1% no primeiro. Na Zona do Euro, a situação segue delicada, mas o BCE continua inovando, com medidas de estímulo cuidadosas (ou sutis), dada a diferenciação grande entre os países membros. O Japão sente o impacto do menor crescimento da Ásia, mas consegue crescer entre 1% e 2%, turbinado por um agressivo programa de estímulos, o Abenomics. Entre os emergentes, a China segue em crescimento, mesmo que em ritmo menor, e entre os parceiros latino-americanos observa-se uma diferenciação entre os que fizeram seu “dever de casa”, pontuando Colômbia, crescendo mais de 5% no segundo trimestre (além do Peru, Chile e México), e os empacados em crises intermináveis e “culpando os outros” pelos seus fracassos. Neste grupo, estariam Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador.
Façamos então uma análise da economia mundial para acabar logo com este papo de apenas a crise externa afetar o Brasil. Apenas uma observação: a economia mundial, nos anos Dilma (entre 2011 e 2013), cresceu algo em torno de 3% a 4%, enquanto que o Brasil se manteve entre 1% e 2%, a terceira pior média anual da República, só superando os governos Collor e Floriano Peixoto.
A economia norte-americana segue em recuperação, impulsionada, de forma balanceada, pelos investimentos, mais consumo (70% do produto do país), inovações e mercados mais flexíveis. Estimativas indicam o crescimento do PIB, ao final deste ano, próximo a 2,5%, acelerando a 3,5% em 2015. Este processo acontece em sintonia com a decisão do Fed de terminar sua política de estímulos (QE) agora em outubro e iniciar a “contagem regressiva” para o “ciclo de elevação da taxa de juros” (Fed Funds Rate) em algum momento entre este ano e o próximo, o que deve gerar algum impacto sobre os fluxos de comércio e financeiro globais. Haverá uma readequação de recursos nos vários mercados, com tendência à depreciação de moedas nos emergentes, especial destaque para o real brasileiro ao longo de 2015. Em paralelo, pelo câmbio depreciado e o bom ritmo de crescimento, estreitamente monitorado pelo Fed, nossas exportações devem se beneficiar. Lembremos que os norte-americanos são um dos nossos maiores mercados individuais, junto com a China.
Na Zona do Euro, de novidade, a decisão do BCE, na semana passada, de reduzir em 10 pontos básicos as várias taxas de juros “sensíveis ao crédito”, assim como anunciar, a partir de outubro, uma estratégia mais pesada de compra de carteiras de ABS (títulos lastreados e ativos) e covered bonds (“títulos cobertos”, lastreados em caixa de hipotecas ou empréstimos do setor público).
Seu objetivo é tentar estimular a economia estagnada e em ameaça de deflação. Como ninguém gasta ou se endivida, a “roda não gira”, com a inflação desacelerando. Em agosto, a taxa anualizada registrou 0,3%, depois de 0,5% nos meses anteriores, devendo ser negativa nos próximos meses. No segundo trimestre a Alemanha, “motor” da economia da região, registrou retração de 0,2% em termos anualizados e a Zona do Euro fechou estagnada.
Para este ano, estimativas na região indicam crescimento próximo a 1,2%, mesmo patamar para 2015. Já o euro, com as políticas de estímulo monetário, deve continuar se depreciando. Atualmente próximo a US$ 1,29, deve se depreciar a US$ 1,27 ao fim de 2014 e a US$ 1,20 num prazo de 12 meses. Isto, em tese, deve impactar nas exportações brasileiras (região representa 18,7%).
Na China, os indicadores de produção mais recentes indicam uma economia perdendo força. Sinais preliminares são de que a economia não deve sustentar o crescimento de 7,5% por muito tempo. Por ora, mantemos algo em torno de 7,4% neste ano.
Na América Latina observam-se dois blocos de países, os que fizeram “seu dever de casa”, ajustando suas economias, se tornando competitivos e eficientes, e os envolvidos em políticas econômicas voluntaristas, caracterizadas por medidas paliativas de curto prazo. O Brasil se encontraria no meio destes dois, nem tão mal como os segundos, mas ainda distante dos primeiros, por não ter colocado a agenda de reformas na mesa e melhorado o ambiente de negócios, através de políticas econômicas mais amigáveis ao mercado e ao setor privado.
Conclui-se então que os problemas do Brasil são resultados de ações de políticas econômicas erráticas e não de problemas externos, tese esta tão em voga entre os populistas. Realmente, a economia mundial passa por uma fase de ajustamento, de retomada, mas, na sua maioria, os países buscam saídas, políticas clássicas, mesmo impopulares. Por outro lado, os que fracassam são aqueles que resolveram ir contra o senso comum, com políticas heterodoxas exóticas, tentando “inventar a roda”, não conseguindo sair do atoleiro de crises econômicas e institucionais infindáveis. Nada mais sintomático.
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