Que tal um vestibular para candidatos à Presidência da República e aos governos dos 27 Estados da Federação? Combinemos, para começo de conversa, as três regrinhas principais do concurso.
Primeira: os eleitores darão as notas aos candidatos. Segunda: os aprovados serão os que obtiverem a melhor média nos quesitos conhecimento das realidades do território que terão de administrar; projetos de governo que contemplem as demandas de áreas, comunidades, classes sociais e categorias profissionais; comprovação de viabilidade das ações propostas e capacidade de realizar os programas nestes tempos de escassez de recursos econômicos. Terceira: os candidatos darão conhecimento público de seus planos em tempo adequado para que os julgadores (os eleitores) possam compreender propostas, assimilar ideias, estabelecer comparações, refletir sobre as diferenças e semelhanças e, a partir desse quadro, atribuir o veredicto, conferindo aos melhores a nota mais alta.
Não deveriam ser esses os critérios para selecionar os governantes da res publica? A resposta seria afirmativa se o processo de escolha obedecesse a critérios racionais, lógicos, pelos quais os perfis mais preparados e as melhores propostas deveriam ganhar a preferência do eleitorado. Infelizmente, parcela importante de nossa população votante fundamenta as suas escolhas em impulsos emotivos, que se desenvolvem ao sabor das circunstâncias, ora por empatia gerada por um candidato, ora em retribuição a benefícios recebidos, e não raro pela proximidade entre o eleitor e o político, construída ao longo do tempo e firmada sobre uma base de conhecimento e intimidade. A emoção também joga votos na direção oposta, sendo esse o caso de comunidades revoltadas contra serviços públicos ou, ainda, quando elas identificam autoridades e candidatos na responsabilidade (mesmo indireta) por eventos dramáticos, como casos policiais e fenômenos naturais de impacto destruidor.
O processo emocional alastra-se por todos os grupamentos, sendo mais forte nas margens, por conta de aflições do cotidiano e de passivos que as administrações deixam nos arredores de comunidades carentes. Mas a ascensão de grupamentos da base ao meio da pirâmide tem contribuído para o alargamento das fronteiras do voto racional. Esse também é um fato. A mobilidade social, a interação de grupos até então distantes, o acesso ao consumo e ao lazer, a exposição midiática das demandas comunitárias vão formando correntes que passam a cobrar resultados dos governantes. Nessa teia se expande o voto racional.
O fato é que o pleito deste ano, tendo como pano de fundo intensa mobilização social, sugere a aplicação de uma prova para os governantes, até como modelagem para resgatar os escopos a cargo do Estado. Como é sabido, a política tem deixado de ser missão para ser profissão e, por consequência, os projetos de poder – pessoal, grupal, partidário – tomam o lugar dos projetos de governo. O eleitorado acaba votando no indivíduo, na imagem que dele pinça, e não em ideário.
A competitividade eleitoral – e, mais que isso, a polarização entre petistas e tucanos – arrefeceu, nos últimos tempos, a construção de um projeto nacional, contemplando definição de rumos, metas, estratégias e linhas de desenvolvimento. Tucanos ainda hoje mostram as retas do Plano Real, não avançando um passo na estrada do amanhã; petistas continuam a reverberar os feitos do programa de distribuição de renda (Bolsa Família e afins), com o qual inaugurou o ciclo “nunca antes na História deste país”. Mas onde estão as pistas mais largas para a decolagem da Nação? Será que vale a pena perder tempo de campanha com o PT anunciando feitos (já conhecidos), o PSDB denunciando malfeitos (já conhecidos) e o PSB brandindo refrãos em torno do que “deve ser feito”? Haverá interesse em ouvir a verborragia eleitoreira, todos gastando a voz com a lengalenga das promessas? E as metas para o amanhã nas frentes da infraestrutura técnica (transportes, energia, telecomunicações, saneamento básico, etc.)?
Eis o imbróglio da falta d’água. Não adianta culpar São Pedro por não abrir as torneiras celestes para jogar água nos reservatórios do Sudeste. Afinal, que obras se impõem para administrar catástrofes, algumas previsíveis? Ou os candidatos ignoram a esteira de destruição puxada pelas enxurradas de janeiro na Serra Fluminense, as enchentes no Sul, no Norte e no Centro-Oeste, a velha crônica sobre a seca no Nordeste? A transposição do Rio São Francisco, o atraso na Transnordestina, as obras inacabadas em todos os espaços, continuará isso a alimentar a querela entre sujos e mal lavados?
Qual o papel do Estado para atenuar as intermitentes crises econômicas? Se a economia é a locomotiva, qual a receita para mantê-la correndo sem deixar para trás os carros dos trens políticos e sociais? Que parafusos precisam ser renovados?
E o Estado de bem-estar? Há condições de expandir os benefícios além da capacidade de arrecadação? Quais as saídas para programas assistencialistas, que nos moldes atuais sinalizam um buraco sem fim? Há diques para suportar o tufão da Previdência, com débito este ano de R$ 50 bilhões? O que os candidatos pensam sobre justiça tributária, endividamento do setor público, capacidade de investimento do Estado, políticas fiscal, monetária e cambial?
Nas unidades federativas, o que os atores enxergam nos cenários? Vão enfocar demandas e prioridades? Que cinturões precisarão ser apertados ou afrouxados para conter e administrar o peso do corpo estatal?
Como se pode constatar, o vestibular faz-se necessário, principalmente no ciclo de transparência que escancara as malhas administrativas. Dois conselhinhos no pé do caderno de anotações: candidatos, formem equipes competentes para preparar respostas às questões e falem a verdade, claramente. Sem firulas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 22/03/2014
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