A Copa do Mundo de 2014 trouxe surpresas de todos os gêneros. No campo, há um relativo equilíbrio nas disputas, fruto certamente da globalização dos esportes e dos intensos fluxos migratórios transnacionais, dos quais resultam equipes nacionais constituídas por expressivo número de atletas que atuam no exterior e uma grande participação de migrantes nas seleções europeias.
Fora do campo, salvo fatos isolados, constata-se uma tranquilidade que reverteu as expectativas de tumultos, que ocorreram na Copa das Confederações. É uma evidência da eficácia em ações coordenadas das forças responsáveis pela segurança pública. Além disso, impressiona o ato civilizado dos torcedores japoneses, que recolhem o lixo após as partidas, em contraste com a barbárie do mercenarismo extremado de atletas africanos que condicionam a participação nas disputas ao prévio pagamento das premiações e o canibalismo do atleta Luis Suárez, lamentavelmente justificado por autoridades e pela imprensa uruguaias.
Falta conhecer o verdadeiro tamanho dos gastos públicos na Copa e da corrupção na construção dos estádios e obras periféricas. Sou pouco otimista quanto a surpresas agradáveis.
Finda a Copa, começa a temporada das eleições, com destaque para veiculações políticas de apelo meramente publicitário. A disputa entre os candidatos pelo horário eleitoral torna claro que a constituição de partidos e sua adesão a candidaturas se converteram em verdadeiros negócios, à custa dos contribuintes, que financiam a “gratuidade” dos horários e os fundos partidários. Vença quem vencer as eleições deste ano, nossa verdadeira Copa começa em 2015. Este ano serviu tão somente para agravar os problemas econômicos e políticos.
A inflação está elevada, com perspectivas de alta em virtude da artificial contenção dos preços administrados de combustíveis, energia elétrica e transportes públicos. Se hoje a Petrobrás e o sistema elétrico já estão em risco, por força de enormes perdas patrimoniais, em futuro próximo o inevitável aumento nas passagens dos transportes públicos trará mais inflação e tumultos promovidos por grupos radicais.
A política de estímulo ao consumo já deu provas de esgotamento, em razão da perda de poder aquisitivo e do elevado endividamento da população. Caminhamos para uma trágica combinação de crescimento baixo e inflação elevada, que tantas vezes nos infelicitou.
A sucateada infraestrutura conspira continuadamente contra a produtividade. Não se formou ainda uma clara convicção de que a resolução do problema exige programas de privatização capazes de atrair investimentos.
A política fiscal é um desastre que as manobras de “contabilidade criativa” não conseguiram esconder. Os gastos públicos seguem um passo à frente das receitas.
As desonerações de tributos não observam critérios técnicos. Respondem apenas a investidas dos lobbies. Qual a lógica da desoneração dos automóveis e combustíveis, no momento em que as cidades brasileiras se encontram imobilizadas por congestionamentos?
O PIS e a Cofins assumiram complexidade e inconsistência jamais vistas na história tributária do País. Não se vislumbra solução para a guerra fiscal do ICMS. A legislação do Imposto de Renda, que ganhara respeitabilidade internacional, está sendo desfigurada pela profusão de incidências de caráter regressivo nas aplicações financeiras e pela desastrada adoção dos chamados padrões internacionais de contabilidade (IFRS) em conflito não resolvido com a política tributária.
No plano político, o Congresso Nacional, debilitado pela supremacia das medidas provisórias, pela apatia na apreciação dos vetos presidenciais e pela guerra suja das emendas orçamentárias, é agora afrontado por decreto que institucionaliza a participação de “conselhos populares” na formulação das políticas públicas.
Vencer a Copa de 2015, no Brasil, requer algo mais elaborado que sangre, corazón y garra, como pedia Obdulio Varela, capitão da seleção uruguaia de 1950.
Fonte: Estado de S.Paulo, 03/07/2014.
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