A calmaria que ensaiou se instalar, sumiu. O Morro da Providência, símbolo do Rio de Janeiro, vive de prejuízos, frustração e medo com a volta dos conflitos entre polícia e bandidos
Misto de beco e escadaria, um corredor estreito que margeia a beira do morro leva a uma casa onde funciona o restaurante Sabor das Louras. Na varanda do 2º andar, duas mesas proporcionam uma vista da Baía de Guanabara e de um pedaço da Estação Central do Brasil, um privilégio que desfruta quem acessa aquela área do Morro da Providência, no centro do Rio de Janeiro. Outras 13 mesas ficam na laje da casa, espaço de mirante mais amplo. Fotos e certificados de prêmios cobrem uma das paredes. Rosana Damasceno, a proprietária, prepara os pratos numa cozinha pequenina, bem cuidada, com enormes panelas na prateleira. O carro-chefe do elogiado cardápio é a carne-seca com nhoque de abóbora. É meio-dia, mas um pano verde cobre o fogão. Rosana o levanta e volta a estendê-lo. “Hoje não virão clientes”, diz. Rosana chegou a servir 300 refeições por dia, a maior parte para a clientela egressa do “asfalto”, cariocas e turistas empolgados em comer bem e conhecer um local antes interditado pelos constantes confrontos entre polícia e traficantes.
Os clientes de Rosana movimentavam o negócio de Cosme Felippsen, de 27 anos, guia turístico profissional e cria da Providência. Nenhum outro morro possui tanto apelo histórico quanto a Providência, que completou em maio 120 anos e é sempre acompanhada do epíteto A Primeira Favela da Cidade. Sua ocupação começou em 1897, com soldados que voltavam da Guerra de Canudos. Como o promontório carioca se parecia com o Morro da Favela, no sertão baiano, eles adotaram o nome, dando origem ao substantivo que identifica esse tipo de aglomerado residencial popular. O giro de Cosme contemplava a Igreja Nossa Senhora da Penha, no cocuruto do morro, um oratório do século XIX, mirantes com paisagens raras da Baía de Guanabara, uma galeria de arte e a Casa Amarela, centro cultural onde assoma uma escultura gigantesca da Lua. Era um bom passeio.
A Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Providência foi inaugurada em abril de 2010 numa solenidade em que o então governador Sérgio Cabral – hoje preso por corrupção numa cela a poucos quilômetros dali – prometeu mudanças “extraordinárias”. A unidade era tida como exemplar pelo ex-secretário de Segurança José Mariano Beltrame, entre outros motivos por oferecer cursos profissionalizantes aos moradores. O primeiro chefe da UPP foi até a um baile de debutantes no morro, com farda branca de gala e tudo. Dentro da política de aproximação com moradores, um andar inteiro da sede virou uma academia de artes marciais, com instrutores da PM. Ali Gabriel Monteiro aprimorou os golpes até se sagrar campeão mundial de jiu-jítsu em 2015. Suélen Desterro, de 20 anos, destaque atual, faturou mais de 80 medalhas em torneios estaduais e nacionais.
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