“Eu hoje estou pulando como sapo
Pra ver se escapo
Desta praga de urubu”
Noel Rosa
Eis aí onde veio parar, em apenas dois meses de segundo mandato e exatamente como tinha de acontecer, o governo da presidente Dilma Rousseff — ficou sem roupa, como no samba de Noel, e agora está ai, todo santo dia, pulando dos desastres de ontem para os desastres de hoje, e já apavorado com os que virão amanhã. O último infortúnio a entrar em cena é essa lista do procurador-geral Rodrigo Janot, pedindo que o Supremo Tribunal Federal autorize a abertura de inquérito contra 54 políticos e agregados suspeitos de envolvimento na corrupção histórica da Petrobras — calamidade destinada a tornar-se, por sinal, o centro da biografia de Dilma e de sua passagem pela Presidência da República. A coisa toda, agora, entra na geringonça que é o aparelho judicial brasileiro — e ali ficará sendo mastigada sabe-se lá até quando, com a produção permanente de material tóxico. Já começou: bem na hora em que a lista era entregue, o presidente do Senado, Renan Calheiros, até há pouco o amigo-parceiro-irmão-camarada do Planalto, recusou-se a colocar em votação uma “medida provisória” do governo para aumentar impostos, e aproveitou a oportunidade para dizer que Dilma desrespeita o Congresso e o estado de direito. Saco de pancadas durante anos a fio, o senador virou automaticamente um herói do Parlamento; hoje em dia, pelo visto, basta bater na presidente para construir uma reputação instantânea. Pouco antes disso, ela já fora infernizada por seu próprio ministro da Fazenda — que considerou “brincadeira de mau gosto” decisões econômicas tomadas no primeiro mandato. É preciso ficar pulando o tempo inteiro, realmente, para esconder-se de uma fuzilaria dessas. O governo se pergunta: “Onde está o chão?” Ninguém sabe.
[su_quote]Seja lá qual for o destino dos políticos da “Lista de Janot”, ora entregues aos vagares do STF, é esse o fato número 1 da vida pública brasileira de hoje[/su_quote]
“Deu a lógica”, como se dizia antigamente no turfe: no fim das contas, sempre acaba perdendo quem não poderia mesmo ganhar. Ao longo dos últimos anos, e principalmente dos últimos meses, a presidente foi montando, com tenacidade de monge beneditino, uma pane geral no sistema de funcionamento do seu governo. Não perdeu praticamente nenhuma oportunidade de errar.
Passou a dizer coisas cada vez mais incompreensíveis — em seu último surto, dias atrás, veio com uma alarmante história de galáxias no Rio de Janeiro, ou algo assim. Levou as contas do país para o bico do corvo. Transformou em déficit tudo o que era superávit e desenvolveu uma técnica invencível para trocar abundância por escassez. Consegue, ao mesmo tempo, aumentar os impostos e diminuir a arrecadação. Socou um aumento de até 45% nas contas de luz, e outro nas bombas de combustível. Pode ter pela frente uma crise no abastecimento de energia, e mais um monte de outras, e não tem a menor noção do que fazer em relação a nenhuma delas. Conseguiu brigar com a Indonésia. Pode dar certo um negócio desses? Não pode. Deu a lógica.
A praga de urubu que atormenta Dilma nestes dias de vinagre e de espinhos, e que veio como consequência inevitável dos atos que ela mesma praticou, já seria ruim o bastante se ficasse limitada à sua falta de aptidão, de conhecimentos e de equilíbrio para governar. Mas o pior, provavelmente, é a escolha fatal que fez — amarrada ao ex-presidente Lula e ao PT, jogou-se na maior campanha pró-corrupção já vista na história do Brasil. Seja lá qual for o destino dos políticos da “Lista de Janot”, ora entregues aos vagares do STF, é esse o fato número 1 da vida pública brasileira de hoje. A defesa da corrupção está nos fatos. Dilma é a favor de um tenebroso “acordo de leniência” com as empreiteiras metidas no assalto aos cofres da Petrobras — trata-se, muito simplesmente, de livrar as empresas de punição nos processos em andamento na Justiça. Quem protege o mal é cúmplice do mal — o que seria, então, se não fosse isso? A presidente nos pede que acreditemos que advoga em favor das empreiteiras para garantir “empregos” e continuar “obras””. Ficamos assim, nesse caso: ela está dizendo que o Brasil precisa de corrupção para gerar empregos e obras públicas. Não é só isso. O ministro da Justiça passou a fazer parte da equipe de defesa das empresas. O advogado geral da União dá consultoria para deputados do PT enrolados no petrolão. Seu relator na CPI recém-aberta para investigar o escândalo, um despachante do Palácio do Planalto, já começou tentando melar os trabalhos — sua primeira ação foi pedir investigações sobre o “governo anterior”. E mais um acesso na paixão oficial por chamar a população de idiota: a CPI foi instalada para apurar o roubo deste governo, e não do de Fernando Henrique, ou do regente Feijó. Dilma chefia a campanha ao lado de Lula: tristemente, a caminho dos 70 anos e com mais de quarenta de carreira política, ele está acabando assim, como um advogado de milionários e burocratas corruptos. Nada de bom pode sair disso tudo.
Quanto à praga de urubu, o jeito é torcer para que ela passe. O sapo somos nós.
Fonte: Veja, 11/3/2015
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