Está cedo para prevermos os efeitos de médio e longo prazo do coronavírus, mas não para reconhecermos que a próxima recessão global se aproxima com características bem diferentes das crises de 2001 e 2008.
A pandemia representa tanto um choque de oferta quanto de demanda. Esfacela cadeias globais de produção, encarece o crédito e paralisa o comércio internacional. Ao mesmo tempo, o medo do contágio confina pessoas, aumenta a incerteza e diminui a demanda por bens e serviços não prioritários.
Como lidar com tais choques? Em termos de política econômica, as sugestões são as de sempre: mais afrouxamento monetário e fiscal. O problema é que grande parte dos bancos centrais já pratica taxas de juros próximas de zero e tem restrições para compras de ativos.
Em termos fiscais, há espaço para países com dívidas estáveis e equilíbrio nas contas primárias expandirem gastos, já que o custo da dívida está baixo.
No entanto, quando a recessão é causada pela queda da oferta, e não só pela demanda, é preciso encarar duas restrições. A primeira é que as cadeias de suprimento não serão recompostas com estímulos de demanda, principalmente no caso de um vírus altamente contagioso. A segunda é a incerteza de que a recessão será deflacionária. Tudo depende do que cairá com mais intensidade: oferta ou demanda.
A crise sanitária deveria ser a prioridade na implementação das políticas públicas. Sem previsibilidade sobre quando a pandemia será estancada, a incerteza para o mundo. Enquanto laboratórios testam vacinas, os governos podem fazer a diferença, adotando medidas que impeçam o aumento do contágio e, principalmente, evitando uma crise financeira global.
Como o Brasil se enquadra nesse cenário? É claro que, mesmo sendo relativamente pouco integrado às cadeias globais de produção, não estamos imunes a uma crise dessa proporção. Os ativos financeiros são os primeiros a sofrer. Queda da Bolsa, desvalorização do câmbio e elevação dos juros de mercado representam um aperto das condições financeiras e por si só causarão impactos contracionistas na atividade.
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Antes mesmo do surgimento do coronavírus, a decepção com o ritmo do crescimento, expresso no pibinho de 2019, criava um ambiente propício à demanda por mais estímulo monetário e ao afrouxamento da política fiscal. Críticas à comunicação do BC de encerrar o corte de juros, discussões sobre o abandono do teto de gastos, propostas de aumento real para o salário mínimo e injeção de recursos federais no Fundeb são manchetes há meses.
Em relação à política monetária, é preciso ter cautela e entender se o choque atual é mesmo deflacionário. Já há relatos de impactos na produção doméstica e na oferta de insumos importados.
De outro lado, o real depreciou quase 15% neste ano, o que pode ser explicado, em parte, pela política monetária frouxa. O repasse cambial foi muito baixo até agora porque o PIB não cresce, mas inferir que esse é o “novo normal” para qualquer montante de depreciação é arrojado, sobretudo quando a oferta sofre interrupções.
O comportamento das commodities em reais pode não ser tão benigno quanto em 2008. O preço da gasolina deve desabar, mas o BC não deve combater efeitos primários de um choque de oferta.
Em relação à política fiscal, não há espaço para afrouxamento. A trajetória da dívida melhorou em razão dos juros baixos, resultado da política fiscal responsável e da aprovação de reformas como a da Previdência e o teto de gastos. Já a dinâmica dos gastos obrigatórios continua explosiva.
Aumentar os gastos de infraestrutura é excelente ideia para um país carente como o nosso, mas de onde virão os recursos? A PEC Emergencial abriria esse espaço, mas anda devagar no Senado. Nesse ínterim, o novo marco legal do saneamento ainda não foi aprovado, privatizações não saem do papel e o ambiente regulatório continua afastando investidores.
Insistir nas reformas é a única alternativa. Seria excelente se pudéssemos abusar dos carboidratos sem a restrição da balança ou viajar pela Itália na primavera sem preocupação. Economistas trabalham com a realidade e não deveriam sonhar com impossibilidades.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 12/3/2020