Era domingo, e eu almoçava com a minha família em um restaurante onde vamos sempre, quando o garçom que nos servia se aproximou de mim. Aqui eu preciso avisar: tenho ótima memória para rostos. Cruzo na rua com pessoas que vi pela última vez há 30 ou 40 anos e as recoheço instantaneamente. Mas tenho dificuldade anormal com nomes. Costumo esquecer os nomes das pessoas poucos segundos depois de ser apresentado a elas. Isso se tornou fonte de angústia e de situações embaraçosas sem fim. Como vivo com a cabeça nas nuvens, também geralmente esqueço de perguntar o nome das pessoas com que estou falando. O fato é que eu não sabia ainda que o nome do rapaz que se aproximou de mim era Rogério.
Ao chegar perto de mim ele disse:
“Desculpe perguntar, mas o senhor faz uns vídeos?”
Eu levei um susto. Quando me perguntam isso, nunca sei o que vem depois.
“Faço sim”, admiti, meio envergonhado.
“Já vi muitos vídeos seus”, ele disse, mencionando o nome de um canal da internet que reproduzia meu material. E chegando mais perto e falando um pouco mais baixo:
“Concordo com tudo o que senhor diz”.
“As coisas têm que mudar, não é?”. Acho que foi essa a resposta que eu dei.
“Tem que mudar tudo”, Rogério respondeu, “é um absurdo a situação em que vivemos”. Ele me contou a história de um outro garçom, colega de trabalho no restaurante – “aquele ali”, ele me apontou. O colega tinha uma motocicleta caindo aos pedaços, que era o seu transporte para o trabalho. Há poucos dias, chegando no subúrbio distante em que morava, o colega havia sido rendido por dois criminosos armados – “vagabundos”, como os descreveu Rogério – que roubaram, a moto.
“Agora”, disse Rogério, “ele toma duas conduções para vir trabalhar”.
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A primeira pergunta na cabeça dos brasileiros é: até onde vai tudo isso?
A segunda pergunta é: que democracia é essa, onde a nossa escolha é entre ser roubado à mão armada ou ser roubado através do voto?
Somos um país que vive de joelhos.