A condenação do ex-presidente Lula em segunda instância favorece a votação da reforma da Previdência ainda em fevereiro, segundo o economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da consultoria MB Associados e secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro governo Fernando Henrique Cardoso. “Se a gente admitir que o populismo perdeu força, dá para pensar que a reforma terá mais fôlego para ser votada em fevereiro”, disse em entrevista ao Estado. Para ele, porém, ainda é importante que se faça uma reforma incluindo os militares e que o próximo presidente reduza as desonerações fiscais para melhorar as contas públicas. Apontado como um dos possíveis formuladores do programa econômico para uma eventual campanha do governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) à presidência, ele diz apenas ter conversado com o político este ano. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Analistas dizem que a decisão da Justiça da última semana enfraqueceu, na corrida eleitoral, tanto o nome de Lula como o de Bolsonaro, que ganhava apelo justamente por ser o anti-Lula, um cenário que abriria caminho para um candidato de centro-direita. Isso anima o investidor?
Anima antes o mercado financeiro. Do ponto de vista de decisão de investimento, anima alguma coisa. Mas a parte maior, de investimento em infraestrutura, não muda. Se um candidato realmente reformista ganhar as eleições, aí os investimentos melhoram a partir de 2019. E a grande fonte de investimentos dos próximos anos tem de vir da infraestrutura. Por enquanto, acho mais fácil algumas empresas anteciparem a recontratação de funcionários. Esse tipo de decisão, sim, pode ser antecipado.
As chances de a reforma da Previdência ser aprovada mudaram?
O discurso de que não existe problema na Previdência é populista e não se sustenta economicamente. Se a gente admitir que o populismo perdeu sua força (com a condenação de Lula) e sabendo que a questão da Previdência terá de ser enfrentada, seja quem ganhe a eleição, me parece que dá para pensar que, se bem encaminhada, a reforma terá mais força para ser votada em fevereiro.
Os candidatos ao Legislativo não continuam com medo de perder voto por causa da reforma?
É verdade, mas não tenho certeza de que quem votar a favor da reforma perderá a eleição. O que tenho dificuldade de ver é (uma votação da reforma) em novembro, depois das eleições, quando todo mundo estará olhando quem ganhou e qual será o novo governo. Ou é em fevereiro ou vai ficar para o próximo (presidente).
O julgamento de quarta-feira passada tem outras consequências para a economia?
O primeiro resultado é que o dólar esvazia e a Bolsa sobe com a hipótese de que a candidatura do Lula e a agenda que ele estava prometendo enfraqueceram. O que acho que menos muda é a questão da privatização (da Eletrobrás). A tendência é dizer que facilitaria, porque a polarização entre esquerda (Lula) e direita (Bolsonaro) fica menor, mas não tenho essa convicção porque a grande resistência (à privatização) não está na esquerda, está na política tradicional. O caso Petrobrás diminuiu o poder da esquerda de se colocar contra a agenda da privatização.
A condenação do Lula dá força ao discurso liberal?
Sim, mas, dentro disso, tem uma gradação: você tem a proposta do Novo – um liberal stricto sensu – e uma proposta como a do Geraldo Alckmin, liberal mas social-democrata. Pessoalmente, acho que a segunda vertente é mais apropriada para um país com a distribuição de renda tão ruim como a do Brasil. Nesse sentido, esse centro ainda está muito disputado. Mas, nessa nova situação, o populismo levou um tiro. O Lula não será candidato e, com isso, deve se esvaziar a proposta do Bolsonaro.
O sr. é apontado como um dos economistas consultados pelo governador Geraldo Alckmin para se preparar para a disputa presidencial. Vocês têm conversado?
Conversei com ele (neste ano). O que falei para ele é o que estou falando para você: qual caminho acho mais adequado, que é o (mesmo) que ele imagina. Mas não se colocou ainda nenhuma coisa de programa.
Houve convite para uma eventual equipe econômica?
Eu conversei com ele. Só isso. Objetivamente, só isso.
Quais perspectivas o sr. vê para o teto dos gastos? Muitos economistas dizem que vai estourar já no ano que vem…
Não tenho essa convicção. Em agosto, tinha muita gente boa dizendo que estourava ainda neste ano. Agora isso sumiu do ar. Se a gente elege um reformista, se cresce 3,5% neste ano e no ano que vem, a trajetória que você constrói vai muito mais rapidamente do que se pensa para uma coisa sustentável. Não necessariamente o teto vai estourar no ano que vem, mas precisa haver a reforma da Previdência. A crise fiscal é profunda. Têm de entrar na Previdência os militares e o setor público, além de enfrentar coisas como o excesso de desonerações, por exemplo.
O próprio empresariado, que defende os candidatos reformistas, é contra o fim da desoneração, que poderia reduzir o déficit. Como resolver essa equação?
O reformista vai ter de enfrentar oposição para duas coisas. A primeira é que a economia brasileira tem de ser mais aberta, para dar mais frente à competitividade. Portanto, (o empresário) pedir socorro (proteção) de tarifas por causa das importações não vai poder acontecer com a frequência a que boa parte deles se acostumou. A segunda coisa: tem de resolver a parte fiscal. Tem de ter uma redução disso (desoneração). O empresário reclama com uma certa razão do sistema tributário, mas a solução não é dar redução de impostos, que aumenta o déficit. Porque aí a inflação fica maior, e os juros, mais altos.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”