No Brasil, temos o hábito de incutir nos acontecimentos políticos o espírito de final de Copa do Mundo.
A coisa é na base do “vai ou racha”. Uma inocente eleição municipal, por exemplo, não raras vezes é entendida como “pontapé inicial da eleição presidencial”, que acontece dois anos depois.
Uma derrota do situacionismo no Congresso -como foi o caso da CPMF- pode se transformar na prova definitiva de fragilidade irreversível do governo. E por aí vai.
É mais ou menos esse o clima que se formou em torno da votação do valor do salário mínimo.
Muitas análises consideram esse fato corriqueiro como similar ao desembarque das tropas aliadas na Normandia, que definiu a Segunda Guerra Mundial.
Nessa toada, se o Congresso aprovar um valor superior aos R$ 545, o governo Dilma sofreria uma derrota acachapante, revelaria sua fraqueza e abriria um largo caminho para as forças oposicionistas.
Na vida real, não é assim que funciona. A votação do salário mínimo é importante por alguns motivos, sem dúvida. Deve testar a fidelidade da base aliada num contexto de insatisfação com a divisão dos cargos.
E sinalizará a real intenção do governo -entendido em suas dimensões executiva e parlamentar- em promover um processo de saneamento fiscal, na esteira do corte de R$ 50 bilhões anunciado na semana passada.
É bom lembrar que nesse corte estão incluídas as emendas parlamentares.
É evidente que nunca é bom perder, ainda mais em início de mandato. Mas uma pouco provável derrota estará longe de significar um apocalipse.
O governo apenas inicia seus primeiros movimentos, elegeu com folga os presidentes da Câmara e do Senado, está indo bem na política externa e conta com uma perceptível boa vontade dos assim chamados “formadores de opinião”.
Além do mais, o Executivo terá feito sua parte, pois enviou ao Congresso uma proposta coerente com seu plano de ação na política econômica. A terra continuará girando em torno de seu eixo e os planetas continuarão orbitando em volta do sol.
Fonte: Folha de S. Paulo, 15/02/2011
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