Ninguém duvida que há muito o que melhorar no nosso sistema político-eleitoral. Muito se fala da reforma política, sempre lembrada como a mãe de todas as outras, mas, infelizmente, é a reforma que mais parece obedecer à máxima enunciada no clássico de Giuseppe di Lampedusa: “Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que tudo mude”.
É fato que nossas últimas reformas políticas parecem desenhadas para proteger o status quo, e a sociedade não está propriamente satisfeita com o que temos. Pelo contrário, existe grande predisposição a considerar inovações, e há uma, talvez particularmente “disruptiva”, cuja adoção vem se multiplicando mundo afora, e sobre a qual deveríamos refletir.
É o chamado “voto preferencial”, ou “voto ordenado”, também conhecido como “segundo turno instantâneo”.
Trata-se de um sistema que procura aprofundar uma ideia que resultou consagrada no País, a eleição em dois turnos. O Brasil adotou esse sistema nas eleições presidenciais de 1989 e, desde então, é como se sempre tivesse existido.
O segundo turno serve para que a eleição aponte um vencedor com maioria de votos, portanto, um tipo de pleito que dá um passaporte mais seguro para a governabilidade do eleito.
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O “voto preferencial” é uma variante mais elaborada da mesma ideia, e que funciona da seguinte maneira: diante da urna, os eleitores não escolhem apenas o seu candidato favorito, mas também indicam qual seria sua segunda opção, terceira, quarta, assim em diante.
Encerrada a votação, contam-se apenas as primeiras opções de cada voto. Se algum candidato ultrapassar a marca de 50%, é declarado vencedor. Não havendo ganhador, elimina-se o candidato com pontuação mais baixa e seus votos passam para a segunda opção de seus eleitores. É feita uma nova apuração. Se ainda não houver vencedor, repete-se o processo de eliminação do menos votado e de recontagem até que um candidato ultrapasse os 50% dos votos.
É claro que isso seria impossível de se praticar numa eleição não eletrônica, tanto que métodos como esse, que envolvem vários escrutínios, acham utilização frequentemente em colégios eleitorais pequenos, como por exemplo, na escolha para o Oscar de melhor filme ou nas eleições de membros da Academia Brasileira de Letras.
Há muitas variações e modalidades de voto preferencial e inúmeras experiências bem-sucedidas mundo afora. Sua primeira utilização documentada foi na Austrália, onde o método é usado hoje para eleger membros do Legislativo. No Canadá e na Nova Zelândia, o método é usado em eleições provinciais e para prefeituras. Nos EUA, o Estado de Maine e a cidade de São Francisco, utilizam o sistema para eleição de seus respectivos governador e prefeito. Apenas a Irlanda usou o método para eleições presidenciais diretas. A Índia o faz para a eleição indireta do presidente, pelo Parlamento. Como seria o uso desse método no Brasil?
Bem, para começar, uma boa providência, seria eleger presidente e governador na primeira data, 7 de outubro, e membros dos Legislativos federal e estadual na segunda data, 28 de outubro. Seria como na França, onde se escolhe o Parlamento já com o presidente e os governadores eleitos e ativos na eleição do Legislativo.
Para a eleição dos chefes do Executivo, na primeira data, o eleitor teria diante de si uma cédula em que teria que ordenar suas preferências para os 13 candidatos, podendo, se quiser, indicar apenas o seu preferido.
Se, no entanto, possui um desafeto e quer registrar sua rejeição, pode colocá-lo na 13.ª posição, porém, tendo de indicar suas preferências intermediárias. A rejeição passa a ser um item a ser trabalhado expressamente pelos candidatos, sendo certo que o sistema tende a beneficiar os menos rejeitados.
Esse método reduz consideravelmente as distorções provocadas pelo “voto útil”, bem como o incentivo às campanhas negativas. O sistema preferencial estimula a participação política e previne as polarizações, pois os candidatos também devem se preocupar em subir na lista dos eleitores de outros partidos. O voto por convicção em candidaturas menores não é mais visto como desperdiçado. A preocupação em expressar sua real preferência fica valorizada sem prejuízo da revelação de seus desafetos.
Fonte: “Estadão”, 30/10/2018