É evidente que é melhor exportar a geladeira do que o aço; o aço do que o minério de ferro. E tudo em navios feitos no Brasil. O produto manufaturado dá mais dinheiro e emprego local. Mas a questão é outra: como produzir geladeiras e navios de qualidade e a preço competitivo no mercado internacional? Dito de outro modo, o Brasil pode ser competitivo na bauxita, mas não no tubo de alumínio.
Já o presidente Lula, na longa entrevista ao jornal Valor Econômico de quinta-feira (17/9), respondeu assim, quando os jornalistas perguntaram se custos não eram importantes na hora de uma empresa privada decidir entre importar e fabricar aqui: “Os empresários têm tanta obrigação de ser brasileiros e nacionalistas como eu.” Ou seja, trata-se, antes, de uma questão de ideologia e de vontade política.
Lula fez esses comentários quando explicava as razões de sua bronca com a Vale. “Quando ela contrata navios de 400 mil toneladas na China, é de se perguntar: e o esforço imenso que estou fazendo para recuperar a indústria naval brasileira?”, alertou o presidente.
Como a empresa privada tem a obrigação de fazer lucro para continuar gerando empregos e renda no País, parece que a Vale tomou aquela decisão porque o navio chinês é mais barato, ou tecnologicamente avançado, ou fica pronto em tempo menor, ou tem financiamento abundante. Ou tudo isso ao mesmo tempo.
Isso posto, há duas maneiras de resolver o problema: uma, o governo subsidiar a Vale de algum modo; ou duas, descobrir o que faz o custo Brasil tão pouco competitivo e tratar de resolver o problema estrutural. Pode-se até fazer uma combinação desses dois caminhos. No início, quando a indústria é nascente, o governo subsidia, mas adotando políticas de médio e de longo prazos que ataquem as raízes do custo Brasil e tornem o subsídio dispensável mais à frente.
O governo Lula subsidia aqui e ali, mas não tem a outra política. Nem no prazo curtíssimo. Reparem, o que o presidente propõe é uma nova versão da antiga “substituição de importações”, prática que exige, de imediato, uma moeda desvalorizada.
É evidente que o real valorizado – ou, ao revés, o dólar barato – barateia as importações e encarece a produção e as exportações brasileiras, especialmente de manufaturados. Assim, para ser coerente com sua visão ideológica, Lula deveria adotar uma política de desvalorização forçada do real.
Ora, quando os jornalistas do Valor Econômico perguntaram se, dada a tendência de permanência do real valorizado, o presidente temia uma “desindustrialização”, Lula ofereceu duas respostas. Na primeira, repetiu o bordão “câmbio flutuante flutua”, ou seja, o dólar continua barato pois vai entrar mais moeda americana. Na segunda, falou das providências de eliminar o dólar nas transações comerciais. “Não preciso do dólar para fazer comércio com a China, a Índia e a Rússia”, disse.
Mas exportadores e produtores dos quatro países precisam, e muito. O que a Vale e a Petrobrás fariam com bilhões de yuans em seus cofres? Poderiam pagar, por exemplo, o fornecedor chinês de navios, mas por certo não poderiam remunerar o produtor brasileiro de navios com essa moeda chinesa.
A substituição do dólar no comércio e nas finanças internacionais vai acontecer algum dia, mas só quando se formar uma moeda com as mesmas garantias de ser reserva de valor e meio de pagamento em qualquer boteco do mundo. Ou seja, vai demorar muitos e muitos anos. Até com a Argentina, aqui ao lado, o comércio em moedas locais é uma ínfima fração do volume total. Mas aqui, de novo, Lula mistura a ideologia. Eliminar o dólar parece ser um gesto político. Vá dizer isso aos empresários que competem com chineses e coreanos.
Produzir no Brasil enfrenta outros custos, como uma carga tributária pesada e um sistema tributário ruim, que toma tempo e dinheiro das empresas. Mas o governo não se compromete com reforma tributária nem mesmo com alguma racionalização do sistema.
A infraestrutura precária é outra parte importante do custo Brasil. Para isso, o governo apresenta o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas suas obras só avançam nos relatórios do governo. O presidente confunde anúncio de projeto com obra realizada. Diz que está gastando bilhões em saneamento, mas os projetos enroscam em algum elemento do custo Brasil (licenças, disputas ambientais, rolos nas licitações, falta de projetos, etc.).
A isso se deve acrescentar outro problema apresentado pelo presidente na mesma entrevista ao Valor Econômico: os projetos economicamente inviáveis, prováveis futuros esqueletos. Com uma franqueza espantosa e demonstrando como ele manda e como o seu pessoal obedece cegamente, Lula contou que a Petrobrás “não gostaria de fazer refinarias”, como a que está fazendo em Pernambuco. “Na lógica da Petrobrás, as suas refinarias atuais já atendem à demanda”, revelou Lula.
Portanto, os economistas e engenheiros da Petrobrás estudaram o assunto e chegaram à conclusão de que uma nova refinaria é desnecessária. Outros investimentos, como os do pré-sal, seriam prioritários.
Certo? Errado, diz Lula. O governo precisa “levar” apoio aos Estados, de modo que mandou fazer a refinaria e, ainda mais, em associação com a PDVSA de Chávez, outro compromisso político.
A refinaria foi anunciada inicialmente como um projeto de US$ 4 bilhões, que agora já saltou para US$ 12 bilhões! Não parece o anúncio de mais um daqueles esqueletos do regime militar? Lembram-se? Ferrovia do Aço, Transamazônica (a transposição do Rio São Francisco?), 12 usinas nucleares.
Assim, a refinaria de Pernambuco ou vai parar pelo caminho, enterrando algum dinheiro, ou vai até o fim, para produzir algo de que não se precisa, “pela lógica da Petrobrás”.
Reparem quanta coisa Lula faz e que dá tantos votos hoje quanto problemas econômicos mais à frente.
(O Estado de S. Paulo – 21/09/2009)
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