Como um enxame bíblico de marimbondos de fogo, o zumbido infernal das vuvuzelas invade os nossos ouvidos, o estilo imita Sarney. Mas é verdade.
Elas se sobrepõem a todos os sons do estádio, aos gritos dos jogadores, aos cantos das torcidas, ao rumor surdo dos chutes na bola, ao apito do juiz.
Como os olhos se ofuscam com flashes luminosos, e a língua perde o paladar quando anestesiada por um sabor muito forte, as vuvuzelas produzem o mesmo efeito na audição. Tapar os ouvidos é renunciar também a todos os sons que fazem as imagensdo jogo vivas e emocionantes.
Mas agora é tarde, proibi-las seria visto como uma afronta à livre expressão da cultura nacional, e talvez até racismo. O que fez da vuvuzela um pesadelo não foi seu som, mas o incentivo ao seu uso massivo, uníssono e intermitente. Quem mandou achar graça? Assim se cria um monstro sonoro.
Mas a vuvuzela é só uma forma moderna de fazer barulho para incentivar um time. Como já fazia nos anos 60 a Charanga do Flamengo, que batucava na arquibancada, ou uma insuportável banda carnavalesca do Atlético Mineiro, que tornava qualquer partida do Galo um tormento auditivo para todos.
Me lembro até de um popular torcedor vascaíno que comandava a torcida com uma corneta feita de um longo talo de mamona. Era a eco-vuvuzela, autossustentável; as africanas são de plástico e certamente feitas na China.
Também não me saem da memória auditiva as tonitruantes buzinas de ar comprimido, em tubos de aerossol, ecologicamente incorretíssimas, que os italianos e alemães lançaram na Copa da Espanha, em 1982, e que infernizaram todos que tiveram a desventurade estar num raio de um quilômetro daquele abominável som. O sonoridade ácida e metálica dessas buzinas é tão inesquecível quanto a nossa derrota no Sarriá.
Ainda bem que são só as vuvuzelas, pior seriam milhares de buzinas de ar comprimido tocando ao mesmo tempo, como uma manada de caminhões selvagens trombeteando a era da boçalidade.
Mas o tempo e a bola é que vão dizer se as vuvuzelas vão ficar em nossa memória afetiva como um zumbido infernal ou como a doce trilha sonora da vitória.
Fonte: Jornal “O Estado de S. Paulo” – 18/06/10
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