O fantasma da inflação volta a assustar. Para espantá-lo a presidente Dilma Rousseff anunciou a desoneração de alguns produtos da cesta básica. Em sintonia, o Banco Central, em seu comunicado após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) e na ata divulgada na semana passada, deu a entender que começará atrasado o ciclo de altas da taxa de juros. É indiscutível que o objetivo é meritório.
Lamentavelmente, seu impacto será transitório e reduzido. Mesmo elevando a Selic nos próximos meses, a inflação continuará a pressionar. O pior é que com remendos se continua perdendo tempo, sem uma correção decisiva da política macroeconômica.
O quanto dessa desoneração vai arrefecer a inflação é tema de debates. Com o repasse total, haveria uma redução de cerca de 0,50% no IPCA deste ano. Supermercadistas foram chamados a Brasília e instados a que isso aconteça, mas não acontecerá, independentemente da boa vontade dos envolvidos, por dois motivos.
Um é que, para toda elevação ou diminuição de impostos, como é o caso atual, o repasse é sempre parcial, em função da estrutura da oferta e da demanda. Mesmo contando com a simpatia de todos, as leis do mercado continuam vigentes. O outro motivo, também por uma razão econômica, é que para fixarem margens os comerciantes olham para o preço de reposição – quanto vão pagar para repor a mercadoria que está sendo vendida. Nunca pode ser abaixo desse valor, independentemente do custo. E básico: isso os impediria de recompor seus estoques. Como a expectativa inflacionária está alta, esperam mais aumentos nos próximos meses e a prescrição é clara: subir.
Há menos de dois meses a mesma terapia foi adotada com a redução de tarifas de energia, coincidentemente, com anúncio em rede nacional. Um pouco antes, também o foi com o congelamento da tarifa de ônibus em São Paulo. Todas são medidas que dão um refresco temporário, mas não atacam a raiz do problema. Aliviam a dor, mas não curam a doença.
Todos torcem para que o melhor cenário projetado se concretize e que a pressão inflacionária arrefeça um pouco. É possível, mas, mesmo assim, ela não convergirá para a meta. O fato de que as reduções anteriores não tenham desacelerado a inflação diminui a expectativa do impacto da desoneração da cesta básica, e o comprometimento mais fraco com o regime de metas tirou credibilidade do Banco Central.
O quadro também pode piorar e ter um resultado perverso. Há notícias de alguns preços de produtos que aumentaram após o anúncio da presidente. E sempre há o risco de mais choques de oferta.
De remendo em remendo, insistindo no que não dá certo, continua-se postergando uma solução duradoura. Quanto mais demorada for a correção, mais caros serão o aperto econômico e o custo político. O diagnóstico para afugentar a assombração está equivocado.
O governo está usando uma estratégia para combater aumentos de preços, em que uma desoneração funciona, mas o problema é outro: é inflação. Há uma diferença fundamental entre os dois. Parece um jogo de palavras, mas não é. A inflação é um processo de subidas de preços que se autoalimenta. Esse é o ponto-chave, tem dinâmica própria. Uma alta de custos, como o choque nos preços dos alimentos no início deste ano, afeta os índices de preços, mas é absorvível e transitória e pode ser aliviada com uma desoneração. Já os impactos da inflação são duradouros, prejudicam mais os menos favorecidos, inibem o investimento e limitam o potencial de crescimento. É uma assombração que assusta a todos, especialmente os mais velhos.
Não só a inflação é um fantasma antigo, como também suas causas se repetem. A trama é sempre a mesma: o governo que se encanta com a inflação, exagera nos gastos públicos, define os juros abaixo da taxa de equilíbrio e trata comentários desfavoráveis à política econômica como críticas ao País.
O encantamento com a inflação se entende. Num primeiro momento, ela é conveniente, melhora a situação fiscal do governo, aumenta os lucros das empresas e seus custos estão disseminados entre assalariados e aposentados desatentos a seus efeitos. Sempre começa como um imposto feliz, que depois se transforma num pesadelo para ser eliminado.
Gastos públicos dão Ibope, e este governo gasta. O déficit fiscal está aumentando, mesmo com a “contabilidade criativa”. Faz-se alarde sobre a redução da dívida líquida, sem anunciar que a bruta aumentou 4% do PIB no ano passado. A desoneração agrava o problema, pois troca um alívio temporário na inflação por uma redução permanente nas receitas do governo.
O Banco Central teve uma atitude popular, fixou a taxa de juros num patamar mais baixo que o de equilíbrio e não definiu de maneira clara qual é a taxa de inflação ou de crescimento que está perseguindo. Isso aumentou as incertezas sobre a inflação e a garantia de que a manutenção da taxa de juros por um período prolongado era inviável. A equação é simples, a perda de credibilidade tira potência da política monetária.
Por enquanto, não há razões para maiores preocupações com a dinâmica inflacionária. É apenas o início de um processo que pode ser revertido rapidamente. A pressão é controlável, o aumento de juros pode ficar em um dígito e a economia vai crescer mais do que no ano passado. Mesmo assim, urge acabar com a assombração, para que ela pare de afugentar os investimentos.
A solução é simples: erradicar as causas. Uma política fiscal mais parcimoniosa, aprimoramentos na política monetária, com a meta de curto prazo mais crível (elevação), a de longo mais baixa, uma banda mais estreita e a política de juros em sintonia com os ajustes. Enfim, aplicar uma dose de boa teoria econômica ao Brasil. Dá certo, basta observar o que acontece no mundo.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 18/03/2013
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