Recebo dois comentários, um do jornalista Sandro Vaia, que escreveu um livro sobre a geração de blogueiros cubanos chamado A Ilha Roubada, e outro de Demetrio Magnoli, que assina o posfácio do livro De Cuba, com Carinho, de autoria de Yoani, publicado no Brasil pela Contexto.
Escreve Sandro Vaia:
É uma indignidade dizer que Yoani Sanchez é funcionária do regime cubano.Estive com ela durante 30 dias em Havana para escrever um livro-reportagem e sei o que estou dizendo. Seu marido, Reinaldo Escobar,como tanta gente,incluindo os próprios pais de Yoani, foi do Partido Comunista enquanto acreditou que ele poderia ajudar a melhorar a vida dos cubanos.Trabalhou no jornal Juventud Rebelde e foi despedido quando deixou o partido e aos olhos do regime se tornou um dissidente. Ganha a vida hoje,precariamente, como mecânico de elevadores, como guia do museu da revolução, e divide com Yoani o trabalho de guia para turistas diferenciados que querem conhecer a Havana fora do circuito Cubatur.
Escreve Demétrio Magnoli:
Caro,
Acusar Yoani Sánchez de operar a serviço do regime castrista é uma mentira, uma covardia, uma indignidade e uma canalhice. Mas não é coisa de maluco, como você sugere (no título “Haldol com groselha não é Q-Suco”). É uma ferramenta de um jogo político definido, que se nutre do ambiente ideológico das ditaduras totalitárias.
O governo cubano e seus porta-vozes (dentro e fora de Cuba) acusam Yoani de operar a serviço da CIA. A acusação simétrica, de que ela opera a serviço do regime castrista, tem sua fonte original na antiga direção da Fundação Cubano-Americana com sede em Miami. Essa direção, hoje minoritária, descobriu que a emergência dos blogueiros independentes em Cuba, assim como a de outros grupos dissidentes na ilha, tende a fazer sombra ao núcleo anticastrista no exílio. Ela teme perder, como de fato está perdendo, o monopólio da oposição ao regime – uma condição que até hoje lhe assegurou influência política e recursos financeiros.
Na democracia, acusações desse tipo não funcionam. Quem, exceto loucos irrecuperáveis, acreditariam na tese de que Reinaldo Azevedo é um agente infiltrado do PT?
Nas ditaduras totalitárias, acusações desse tipo podem prosperar, pois a política foi banida da vida pública e se manifesta sob a forma depravada das conspirações palacianas, das operações de inteligência e espionagem. Para pessoas inteligentes, insinuações sobre a “estranha liberdade” de Yoani não passam de observações de idiotas políticos, incapazes de apreciar a crise de um sistema ditatorial. Mas nem todas as pessoas são inteligentes…
Os acusadores são supostos “especialistas em Cuba”. Na verdade, não são especialistas em coisa nenhuma, mas apenas ecos (nem sempre voluntários) da fonte original da acusação. Eles publicam na internet fotos falsas de um “confortável apartamento” de Yoani, servido por internet de banda larga. Jornalistas e documentaristas que visitaram Yoani asseveram que ela vive num conjunto popular e usa a internet em hotéis, pagando por isso ou (às vezes, quando está vigente a proibição sazonal de uso da rede por nacionais) disfarçando-se de turista. Os acusadores respondem que tais testemunhas também estão a serviço da conspiração que denunciam…
Reinaldo Escobar, marido de Yoani, foi do Partido Comunista e rompeu com ele em 1989, pagando o preço da demissão do jornal Juventud Rebelde e da proibição permanente de exercer sua profissão em Cuba. Os acusadores dizem que isso foi o início da trama conspiratória. No fundo, estão dizendo que só será considerado um dissidente verdadeiro aquele que se opôs a Fidel Castro na hora da Revolução Cubana – ou seja, eles mesmos (e nem todos…).
Dias atrás, Yoani foi agredida e seqüestrada por agentes da polícia política castrista. Há um vídeo do início da agressão. Os acusadores dirão que essa é uma sagaz montagem de Yoani, realizada em conluio com o próprio regime castrista.
Os acusadores de Yoani não são malucos nem inocentes. Alguns podem ser ingênuos, mas não inocentes. Eles são culpados de cooperar com a linguagem paradoxal do totalitarismo, que só admite a legitimidade da política conspiratória. Eles são parasitas do castrismo, em vários sentidos.
Indico aos teus leitores o livro de Yoani, “De Cuba, com carinho”. E sugiro que todos façam a si mesmos a seguinte pergunta: a quem e a que serve o que ela escreve?
Abraços.
Demétrio
(Publicado no blog de Reinaldo Azevedo)
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