A ativista cubana Yoani Sánchez ainda não tem viagem marcada, mas está com malas prontas. Pela primeira vez nos últimos cinco anos, nos quais teve mais de 20 autorizações de saída negadas pelo governo, ela comemora a possibilidade de poder embarcar num avião e conhecer um mundo com o qual tem se comunicado apenas por mensagens e uma limitada internet. Seu marido, Reinaldo Escobar, esperou desde as 8h de domingo na longa fila de um escritório de imigração para garantir que Yoani fosse uma das primeiras a pedir um novo passaporte com a entrada em vigor, nesta segunda-feira, da reforma migratória que reduz os trâmites para deixar a ilha. A resposta foi promissora: Yoani deve receber o passaporte em 15 dias úteis.
– Já poderia ter recebido um “não” desde ali. Mas as funcionárias me garantiram que não só receberei o passaporte como terei autorização para sair. Claro que comemoro com cautela. Só vou acreditar quando subir no avião. Mas parece que a prisão vai terminar – disse ao GLOBO, de Havana.
Com o novo passaporte em mãos, o próximo passo será solicitar os vistos de entrada nos países que for visitar. Yoani recebeu convites para palestras mundo afora. Brasil e Espanha estão no topo da lista de preferências.
– Ainda não decidi. Isso vai depender da agilidade na obtenção dos vistos. Se começar pelo Brasil, aproveitarei para conhecer outros países da América do Sul. No caso da Espanha, visitaria também outros lugares da Europa – explica. – Mas não ficaria mais de três meses longe. Sou apegada à família e tenho muito o que fazer em Cuba – afirma a ativista, que agora quer vencer o medo de viajar de avião.
Um amigo grafiteiro prometeu fazer uma decoração especial para as malas de Yoani. Se ela decidir vir ao Brasil, já tem passagem garantida, com saída prevista de Havana no próximo dia 10, segundo o cineasta Dado Galvão. No ano passado, ele mobilizou recursos por meio da internet para a vinda da ativista ao Brasil. A ideia é trazê-la para a projeção, possivelmente em Salvador, de “Conexão Cuba-Honduras”, documentário de Galvão sobre violações da liberdade de expressão. Faltaria a Yoani receber o novo passaporte (o anterior, válido até 2014, está tomado por permissões de outros países, inclusive o Brasil, para visitas que não ocorreram) e um novo visto brasileiro, já que o de fevereiro expirou.
– A possibilidade da vinda de Yoani é real. Estou otimista. Se existe uma lista negra, ela não está inserida. Pegaria mal para o governo – diz.
Na prática, mesmo com o passaporte e os vistos, Yoani ainda poderia ser barrada no aeroporto. É uma das brechas da nova lei, que mantém ao governo a palavra final. Isso poderia complicar especialmente as viagens de dissidentes, embora muitos compartilhem do otimismo de Yoani.
Pelo Twitter, o ativista Guillermo Fariñas comemorou a novidade. “Cuba. Tenente-coronel Pablo Echemendia e capitão Yunier Monteagudo me visitaram hoje e informaram que poderei sair do país e voltar”, escreveu.
A novidade gerou grande procura nos escritórios de imigração na capital. Muitos cubanos já esperavam a vez para solicitar passaporte desde a madrugada de domingo, em uma fila que chamava a atenção pela média de idade dos presentes, em sua maioria jovens. Embaixadas e consulados também registraram aumento nos atendimentos, assim como agências de viagens.
A reforma migratória em vigor desde ontem aposenta as “tarjetas blancas”, as autorizações de saída emitidas pelo governo, e permite que os cubanos viajem para o exterior apenas com o passaporte e o visto emitido pelo país de destino. Apesar da mobilização popular, persistem os sentimentos divididos entre surpresa e precaução. Afinal, a reforma mantém restrições a profissionais liberais, atletas, funcionários do governo e oficiais das Forças Armadas, por exemplo, que passarão por uma avaliação oficial mais rigorosa e podem ter o pedido negado, mesmo com passaporte e vistos em ordem.
– A reforma é um passo à frente na direção da flexibilização e da eliminação de restrições. Mas o grande problema é que em nenhum momento confirma a possibilidade de entrar e sair como um direito – critica Yoani.
É muito cedo para prever uma potencial saída em massa de cubanos da ilha, mesmo com a flexibilização das exigências migratórias. Além disso, as embaixadas e consulados estabelecem um número limite para a emissão de vistos. Só não se deve duvidar do “jeitinho” cubano para escapar da ilha: já circula informalmente em Havana uma lista dos países que não exigem visto de entrada para os cubanos.
Fonte: O Globo
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