O início do ano foi bem difícil do ponto de vista da atividade econômica, com contração do PIB e de investimentos, e mercado de trabalho muito fraco.
Minha avaliação, naquele momento, foi que, para além da fraqueza estrutural da economia (baixo potencial de crescimento de longo prazo), o início conflituoso do novo governo afetou o humor de empresários e consumidores, cujos índices de confiança caíam.
O susto do início do ano foi superado por boas surpresas: o espírito mais reformista do Congresso, a queda da inflação e o cenário de corte de juros do Fed, o banco central americano. Afastou-se o risco de nova retração do PIB ou sua estagnação.
A economia vem ganhando tração. Aumentou a chance de as projeções de crescimento do PIB – na casa de 2% em 2020 – não frustrarem novamente. O gatilho principal é o possível aumento da potência do corte de juros do Banco Central para estimular a demanda.
O ciclo anterior de cortes da Selic demorou mais do que o esperado para afetar de forma mais efetiva a economia. A frágil situação financeira de empresas e consumidores gerava postura mais conservadora nas decisões de produção, investimento e consumo, enquanto o risco de inadimplência limitava a oferta de crédito, tendo em vista a elevada insegurança jurídica e a baixa capacidade de recuperação de ativos pelos bancos.
Ocorre que, pelos nossos cálculos, a razão entre as dívidas bancárias em atraso das empresas e o faturamento está retornando ao patamar pré-crise. Em outras palavras, há melhora dos balanços das empresas. Isso contribui para elevar tanto a oferta, quanto a demanda de crédito. Nota-se o aumento das concessões de crédito e sua maior disseminação, beneficiando as empresas de menor porte, que foram as mais impactadas na crise, enquanto as maiores têm acessado o mercado de capitais. Potencializa-se, assim, o efeito da distensão monetária.
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Setores mais sensíveis ao crédito são naturalmente os “puxadores” do crescimento, incluindo a construção civil. Os investimentos têm exibido números melhores, ainda que modestos e muito concentrados em poucos setores e segmentos.
Por ora, colhemos os frutos do corte de juros entre 2016-18. A nova rodada de redução de juros do BC ainda vai se materializar, reforçando a perspectiva de volta cíclica da economia.
Em paralelo, as concessões de infraestrutura e os leilões do pré-sal vão, lentamente, mudar a dinâmica desses setores, que se preparam para aumentar seus investimentos.
A recuperação está, pois, em seu estágio inicial. As dúvidas ficam para sua velocidade e extensão.
Alguns setores tendem a melhorar sua performance mais lentamente, mas ela virá. O descompasso é transitório. São setores menos sensíveis ao crédito e mais sensíveis à massa salarial, que demora mais a reagir
Outros tantos enfrentam problemas estruturais que limitam sua dinâmica. É o caso de segmentos importantes da indústria que têm baixa produtividade e não são competitivos, pois sente mais o peso do difícil ambiente de negócios no Brasil. Também é o caso de setores que dependem de regulação estatal. Não basta a queda da Selic para destravar esses setores. Essa é tarefa da agenda de redução do custo-Brasil.
Não convém subestimar o impacto do baixo crescimento mundial. Da mesma forma que o Brasil se beneficiou do super ciclo da década passada, com aumento de exportações e fluxos de capitais, não consegue se blindar totalmente da estagnação do comércio mundial.
Evitar o “voo de galinha” dependerá do avanço de reformas. Valem alertas. Primeiro, não sabemos ao certo o tamanho da ociosidade da economia. Talvez ela seja de baixa qualidade, com máquinas obsoletas e mão de obra despreparada. Segundo, a janela reformista parece estar se estreitando e o governo está atrasado em muitos temas.
Não podemos desperdiçar a recuperação em curso. Que ela seja um fator a acelerar as reformas, e não a gerar acomodação, algo, infelizmente, frequente em nossa história. É preciso trabalho para que não seja apenas uma brisa.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 31/10/2019