As manifestações do último domingo surpreenderam positivamente pelo tom moderado e pela defesa inédita da reforma da Previdência, ainda que não tenha sido seu tema majoritário. Difícil saber, no entanto, quais suas consequências concretas para a economia. São movimentos democráticos, que precisam ser respeitados, mas que não necessariamente ajudam no avanço da agenda econômica. Basta lembrar os protestos de 2013, que em nada mudaram os rumos do governo, apesar dos alertas feitos a Dilma sobre a necessidade de ajustar a economia. São muitos aspectos envolvidos que poderiam se resumir em duas perguntas principais.
Primeiro, haverá daqui para frente protestos em sequência, com alternância de grupos que aprovam e desaprovam o governo? Vale mencionar que a mais recente pesquisa da XP/Ipespe indica que estes grupos já têm tamanho similar (36% das pessoas desaprovam e 34% aprovam o governo). Quando ocasionais, os protestos servem de chamamento para o senso de urgência e responsabilidade da classe política. Porém, um quadro de inquietação social persistente, com pautas difusas, pode produzir incertezas no cenário de reformas e no sentimento de empresários e consumidores, ambos em queda. Durou pouco a lua de mel.
A segunda pergunta é: qual a capacidade de reação da classe política às manifestações? É essencial haver liderança do presidente e plano de governo estruturado para que os protestos se traduzam em avanço das reformas. A ideia de um pacto entre os poderes da República, como proposto, é iniciativa de baixa efetividade. Ela só faria sentido se houvesse algo a ser pactuado. Não se trata de propor uma lista de medidas, mas sim de se ter um plano consistente e construído com diálogo.
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Além disso, é importante pontuar que a lentidão da tramitação das reformas reflete, em boa medida, a combinação de erros na articulação política do governo e do fato de se tratarem de temas espinhosos, que dependem de diálogo com o Congresso e que enfrentam oposição de grupos organizados, como as corporações do setor público, que precisam ser enfrentadas pelo presidente. Falta também uma melhor comunicação do governo sobre os pontos principais da reforma e sua importância. Não seria justo acusar o Congresso de estar bloqueando as reformas.
Quanto às perguntas acima, é difícil responder à primeira. A estagnação da economia e os 25% da força de trabalho que está desocupada, subocupada ou desalentada trazem preocupação. Este quadro não deverá mudar rapidamente.
A resposta à segunda pergunta é pouco alvissareira. Nota-se, por ora, uma dificuldade de definição de uma agenda de governo estruturada além da reforma da Previdência. O governo parece perder a oportunidade de dar continuidade aos projetos iniciados no governo anterior, como os marcos regulatórios de infraestrutura e a privatização da Eletrobrás, e de apoiar iniciativas do Congresso que caminham na direção correta e que são compatíveis com a agenda liberal de Paulo Guedes.
Um exemplo é a reforma tributária que está tramitando na Câmara, que propõe a criação de um imposto sobre o valor agregado a partir da unificação de 5 impostos indiretos das 3 esferas de governo. Trabalho sério que conta com apoio do setor produtivo e que seria passo largo para atacar aquele que é o maior problema do sistema tributário: a complexidade de regras, que pressiona os custos das empresas, produz insegurança jurídica e elevado contencioso tributário. De quebra, no caso dos impostos dos entes subnacionais, abre espaço para a chamada guerra tributária, que gera perdas de arrecadação e má alocação de recursos na economia.
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Sem apoio do Executivo, é improvável o avanço dessa importante iniciativa. Por ora, o governo continua defendendo reformas sua cujas sinalizações – IVA federal, imposto sobre operações financeiras – mais causam inquietação no setor produtivo do que alívio.
Que a indignação da sociedade, de qualquer lado, renda frutos.
Fonte: “Estadão”, 30/05/2019